CONQUISTA Candidatos aprovados para a carreira de diplomata no Brasil: Lei das Cotas trouxe mais diversidade (Crédito:Alan Santos)

Há um relato difundido entre os funcionários que trabalham para o Itamaraty, como é conhecido o Ministério das Relações Exteriores: toda vez que uma delegação brasileira chega em um evento internacional, causa estranhamento o fato de que quase todos os diplomatas serem homens e brancos. Isso começou a mudar com a Lei de Cotas, de 2014, que prevê que 20% das vagas de concursos públicos, bem como o de admissão à carreira diplomática, sejam destinados aos candidatos negros e pardos. Apesar do ministério não possuir dados oficiais sobre o perfil racial de seus funcionários, números do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelam que apenas 11% dos diplomatas se declaram como negros.

AUTODECLARAÇÃO Rebeca Mello  e Verônica Tavares (abaixo): processo do Itamaraty que as considerou brancas será reavaliado (Crédito:Divulgação)

É diante desse cenário que o Itamaraty fez um acordo para reavaliar, no próximo dia 17, duas candidatas negras que haviam sido rejeitadas como cotistas há cinco anos. Rebeca Mello e Verônica Tavares passaram na avaliação feita na época, mas foram rejeitadas por uma segunda comissão realizada a pedido do Ministério Público. A economista Rebeca Mello, de 29 anos, é neta de quilombola e foi considerada branca pela comissão mesmo depois de ter participado do Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco, que concede bolsas em dinheiro para que pessoas negras possam se preparar para o concurso, considerado um dos mais exigentes do País, por cobrar fluência em inglês, espanhol e francês. Rebeca conta que já participou e passou em outras seleções como cotista e que a decisão que a impediu de tomar posse no Itamaraty a abalou emocionalmente. “Independente do resultado da reavaliação, vou seguir a minha vida. Esses últimos anos foram muito difíceis para mim”, conta. Se passar pela nova comissão, que será a mesma a avaliar os candidatos cotistas do concurso deste ano, ela se tornará diplomata e poderá realizar o curso de formação no Instituto Rio Branco com os aprovados de 2022.

Divulgação

“É uma contradição: como a candidata pode ser considerada negra e receber apoio financeiro para estudar para a carreira e quando é aprovada, não pode tomar posse?”, questiona a advogada Monique Rocha Furtado, que representa Rebeca. A publicitária Verônica Tavares, de 38 anos, passou cinco anos estudando para o concurso até chegar à aprovação. “Sou uma mulher negra, toda a minha vida foi assim. A condução do nosso caso foi bastante atípica no que diz respeito a essa questão”, diz. Para serem novamente avaliadas, as duas se comprometeram a cancelar todos os processos na Justiça e em outros órgãos públicos, ou seja, se não passarem a questão se encerra, pelo menos judicialmente.

Lei das cotas

Verônica diz que está confiante, principalmente porque a discussão em torno da Lei das Cotas também amadureceu no País e tem mostrado os benefícios que traz para a sociedade. “Independentemente do que acontecer, quero virar essa página. Tem sido um período muito difícil da minha vida. Espero que o resultado seja o melhor possível para todos”. Vale lembrar que o Brasil possui a segunda maior população negra do mundo, ficando apenas atrás da Nigéria. De acordo com dados do IBGE, 54% da população se considera negra.

“Se tudo ocorrer como se imagina, serão admitidas mais duas mulheres negras no quadro da diplomacia, uma delas a primeira quilombola a acessar a carreira. Caso se confirme o que estamos esperando que aconteça, será sem dúvida um grande feito”, afirma o advogado Magno Mello. O Itamaraty também possui defasagem no número de mulheres que conseguem chegar ao cargo de diplomata. A participação de mulheres no serviço exterior, segundo boletim estatístico elaborado recentemente pelo ministério, mostra que apenas 23% dos diplomatas são mulheres. Esse número se reduz a 14,3% em cargos de chefia no Brasil e a 12,2% nas chefias de embaixadas no exterior. No que diz respeito à igualdade, tanto racial quanto de gênero, o Itamaraty ainda tem um longo caminho para diminuir a distância entre esses percentuais.

Mudanças pouco estratégicas

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Voltou a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite a nomeação de parlamentares para o cargo de embaixador sem a perda de mandato. De autoria do senador Davi Alcolumbre, a medida permitiria o acúmulo de salários e funções. Não é obrigatório que chefes de embaixadas no exterior sejam diplomatas de carreira, porém é raro que não o sejam. Se aprovada, a PEC pode abrir a porteira para a captura política das embaixadas pelo Centrão – uma das poucas áreas que os aliados do presidente ainda não controlam.