Graças ao voto de minerva da ministra Cármen Lúcia, o Supremo Tribunal Federal recuou, e em nome da harmonia entre os Poderes, fez um aceno de paz ao Congresso. Por 6 votos a 5, a Corte decidiu que medidas cautelares podem ser aplicadas contra parlamentares, mas, quando houver interferência no exercício do mandato, será preciso aval do Legislativo. Na prática, o STF abriu o caminho para o Senado revogar o afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG), decretado pela 1ª Turma do STF em 28 de setembro. O Senado já tem sessão marcada para a próxima terça-feira, 17, para discutir exatamente o destino de Aécio.

A personagem central da decisão foi a presidente do Supremo, Cármen Lúcia. Para tentar amenizar a crise institucional entre STF e o Senado, em razão do afastamento de Aécio Neves, ela marcou o julgamento e prometeu ao presidente da Casa, Eunício Oliveira, que encontraria uma saída para a “guerra de poderes”. Foi de Cármen o voto de desempate a favor da autonomia do Congresso. Antes dela, o placar estava em 5 a 5. O relator, Edson Fachin, e os ministros Luis Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello votaram contra a necessidade de aval do Legislativo para aplicação de medidas cautelares a deputados e senadores. Mas divergiram do relator os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello.

Após encaminhar seu voto contra a posição de Fachin, a presidente da Corte até tentou suavizar o próprio posicionamento ao dizer que “votaria com o relator, mas com uma pequena divergência”. Fachin não gostou e rebateu de imediato: “A divergência de Vossa Excelência é o ponto central do meu voto, portanto sou voto vencido”. Cármen justificou que estava defendendo o voto popular e disse que “o mandato não é de uma pessoa, mas sim de um eleitorado”. Foi uma postura bem mais política do que técnica, com o objetivo ostensivo de colocar “panos quentes” na crise entre STF e Senado.

No final da votação, surgiu o ponto de maior polêmica. Apesar de uma longa sessão, de mais de 12 horas, com direito a troca de farpas entre os ministros, a principal dificuldade ocorreu na proclamação do resultado do julgamento. Os ministros não se entendiam sobre os efeitos práticos da decisão e quais medidas cautelares precisariam de autorização do Legislativo. Cármen Lúcia, em dado momento, titubeou. Foi pressionada pelos colegas a esclarecer melhor o voto, mas aparentava não estar segura da própria decisão. Ficou claro que ela optou por um meio-termo para resolver a crise entre Senado e STF, votando pela estabilidade institucional, o que na atual circunstância do País, foi mais do que louvável.

Alexandre de Moraes questionou a presidente sobre outras medidas cautelares, para além do afastamento do mandato, que também poderiam comprometer “indiretamente” a atividade parlamentar, como recolhimento noturno e entrega de passaporte. Cármen Lúcia respondeu. “Precisamos de um voto médio”, argumentou. “Não há voto médio neste caso”, respondeu Fachin, manifestando claramente sua irritação com a derrota em Plenário.

Coube ao decano Celso de Mello tomar as rédeas e formular o tal voto médio. A decisão final prevê que, a partir de agora, medidas cautelares decretadas pelo Judiciário, mas que restrinjam a atividade parlamentar, precisam ser enviadas, em até 24 horas, para a respectiva Casa Legislativa. Trata-se sem dúvida de uma salvaguarda para a classe política, um importante instrumento de autodefesa, mas foi o caminho correto a seguir: o de respeito à Constituição.

POLÊMICA

Não sem polêmica. Foi lembrado durante o julgamento o caso do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que foi afastado do cargo por decisão do próprio STF. Seu afastamento foi mantido por unanimidade. Cunha cassado e continua preso até hoje. Alguns ministros indagaram porque, daqui em diante, a postura do STF seria diferente. O ministro Luiz Roberto Barroso, por exemplo, questionou os colegas que afastaram Cunha, e agora, pareciam preocupados em proteger o senador Aécio Neves. Foi interrompido por Marco Aurélio Mello, que se defendeu: “Hoje, tenho outro entendimento da questão; mudei de opinião, vai me colocar numa camisa de força por isso?”. Como era de se esperar, a decisão do STF caiu mal entre procuradores da Lava Jato. Eles temem que a interpretação prejudique a aplicação da lei penal contra autoridades com prerrogativa de foro. Mas esta é uma outra história. O cumprimento da Constituição, garantindo aos parlamentares brasileiros prerrogativas que existem em todas as democracias do mundo, não pode ser confundido, de modo algum, com tolerância com a corrupção. Existem outras maneiras de se combater os malfeitos. Rasgar a Carta Magna, definitivamente, não é uma delas. Por isso, o veredicto final do STF constituiu uma importante quadra de sensatez em tempos tumultuados da vida brasileira.

“O mandato não é de uma pessoa, mas de um eleitorado.
O julgador deve encaminhar ao órgão competente para
que se tenha possibilidade de manter ou não a medida”
Cármen Lúcia, presidente do STF