Sai o futebol, entra a medicina. Entusiasta confesso das parábolas, o presidente Lula acaba de trocar de mote. Na quarta-feira 23, no almoço no Itamaraty para recepcionar o herdeiro do trono espanhol, Felipe de Borbón, Lula chamou num canto o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) para dizer que gostaria de falar “em breve” com o novo presidente do Senado para discutir as relações do governo com o Congresso e a iminente reforma ministerial. “Não gosto de tomar decisões quando a temperatura externa está mais alto que temperatura do meu corpo”, disse Lula, baixando o termômetro da febre política por mudanças na Esplanada. Mas a pressão alta que domina Brasília, mais do que coalizão, escancarou na semana passada um festival de colisões, dentro e fora do governo. O ministro da Fazenda, Antônio Palocci, bateu ponto na mesa do novo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), papa do baixo clero e critico da MP 232 que eleva tributos dos prestadores de serviços. Colidiram deputados e senadores, em torno do aumento de salários de parlamentares, trombaram peemedebistas na bancada da Câmara, bateram cabeça petistas que defendem e criticam a velha trombada dos ministros José Dirceu e Aldo Rabelo na desarticulação política.

Líderes próximos ao Planalto avaliam que a mexida na equipe deve estar concluída no início de março, abrindo espaços para tentar reconstruir a maioria que ruiu com a derrota do PT na eleição da Câmara. Lula evita falar sobre nomes porque ainda precisa prescrever analgésicos em setores nos quais as fraturas ainda estão expostas. O primeiro problema contamina o ambiente no 4ª andar do Planalto, onde Dirceu manobra o PT para extirpar Aldo Rebelo e colocar em seu posto João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara. Ninguém acredita no atual modelo de coordenação, em que Rebelo não tem ascendência sobre o PT nem
caneta para nomear ou facilitar verbas aos aliados do Congresso.
“A fórmula da coordenação política está esgotada”, concorda o líder do PT, Aloizio Mercadante. A receita de alguns petistas é a nomeação de João Paulo como coordenador político, remanejando Rebelo para outra Pasta. A maioria, porém, aposta na indicação de João Paulo para a liderança na Câmara e na volta da coordenação política à mesa de Dirceu.

Gula – Se a terapia interna funcionar, o governo terá ainda muitos pacientes para atender. Depois de vencer a disputa pela Câmara, o PP abriu a goela e revelou um grande apetite por cargos. Severino Cavalcanti é o porta-voz da gula do partido. “Se o presidente Lula atender ao meu apelo, claro que ficaria muito feliz que desse dois ministérios para o meu partido”, cobra publicamente o rei do baixo clero. O apelo severino tem dois alvos de peso: as pastas da Saúde e da Educação. Para a Saúde, hoje nas mãos do petista Humberto Costa, o PP prescreve o nome do cardiologista Adib Jatene, um notável que foi ministro da Saúde nas eras Collor e FHC. É improvável que Lula ceda a Saúde e seu vitaminado orçamento para o PP, muito embora o nome de Jatene surpreenda agradavelmente ao Planalto. No laboratório palaciano prepara-se, também, a transferência de Henrique Meirelles do Banco Central para a cadeira vaga do Planejamento. Para o BC, as apostas se concentram no diretor-executivo do Banco Pactual, André Esteves, um nome do mercado que pode pilotar juros mais baixos no Copom.

No rol das pressões, a segunda dor de cabeça do governo é o conflituoso PMDB. A saída do ministro da Previdência, Amir Lando, é dada como certa pela bancada do PMDB no Senado, responsável por sua indicação. Deve cair junto o presidente do INSS, Carlos Bezerra. Para o lugar de Lando está cotado o senador Romero Jucá (RR), que já serviu ao governo no Orçamento de 2005. Na conta do PMDB também deve estrear no Ministério a senadora Roseana Sarney (MA). A permanência do ministro Eunício Oliveira (PMDB-CE) nas Comunicações depende só de Lula. O ministro era muito próximo do líder da bancada do PMDB na Câmara, José Borba, mas, esta semana, Borba perdeu a liderança para o deputado Saraiva Felipe (MG), lançado pela oposição.

Na fila de colisões aberta pelo efeito Severino, uma nova trombada acontecerá nos próximos dias. O presidente da Câmara mandou pisar no acelerador do projeto que aumenta o salários dos deputados de R$ 12,8 mil para R$ 21,5 mil. Tucanos e petistas já se colocaram contra a idéia. Outro que pode rasgar o tapete corporativista de Severino é o Senado Federal, onde o aumento no contra-cheque é definido como haraquiri. Quem dá mais trabalho ao governo é o próprio PT. Na escolha do novo líder, Paulo Rocha (PA), um aliado de José Dirceu, o Planalto foi obrigado a negociar e o grupo de 20 deputados de esquerda do partido só votou no novo líder após submetê-lo a um documento escrito (guardado a sete chaves) no qual a bancada do PT condena a autonomia do Banco Central exigida pelo FMI e enterra a discussão sobre as reformas trabalhista e sindical que Lula trombeteia. “Não dá para aceitar uma pauta que prejudica o Parlamento e o País”, afirma um dos coordenadores do movimento, o deputado Ivan Valente (PT-SP). A safra de cabeçadas promete.