Para a maioria das pessoas, uma foto de ficha policial – “mug shot”, como é conhecida em inglês – seria uma vergonha que fariam de tudo para esconder. Mas para Donald Trump, é uma oportunidade de marketing e uma arma política.

A imagem com um Trump de olhar sisudo e vingativo, registrada na quinta-feira em uma prisão da Geórgia (sul dos EUA), onde Trump foi fichado por acusações de associação criminosa e conspiração, rapidamente virou símbolo de sua campanha.

Camisetas, canetas, adesivos e ‘coolers’ de bebidas estampados com a primeira foto de registro policial de um presidente dos Estados Unidos foram produzidos e distribuídos por sua equipe horas após a divulgação da foto.

A instantânea do magnata de 77 anos, com a cabeça ligeiramente inclinada para baixo e encarando a câmera, aparece nos produtos oficiais acompanhada das palavras “nunca se renda” em letras maiúsculas.

Faltou, porém, a marca d’água do emblema da polícia local que aparece na imagem publicada pelas autoridades.

Enquanto uma fotografia como essa certamente afundaria a carreira de qualquer outro candidato, para Trump, ela se encaixa em sua narrativa de uma vítima heroica e desafiadora.

“Essa foto policial vai para sempre ficar na história como um símbolo do desafio dos Estados Unidos à tirania”, declarou, em um e-mail de arrecadação de fundos, a campanha Trump 2024, pedindo a apoiadores que enviassem US$ 47 (R$ 229, na cotação atual) em troca de uma camiseta com a imagem.

O guru do marketing Daniel Binns, de Nova York, afirmou que a foto pode se tornar uma ferramenta de branding “extremamente poderosa” para Trump.

“Como marqueteiro, esta é sua genialidade: ele consegue recuperar o que quer que seja dito, do que quer que seja acusado, ou qualquer imagem que seja criada, e transformar em algo que represente a história que ele deseja contar”, explicou à AFP Binns, diretor-executivo da consultoria de marketing Interbrand North America.

Binns até comparou a foto policial ao pôster “Hope”, da bem-sucedida campanha presidencial de Barack Obama em 2008. “Não poderia ser mais diferente em termos do que representa, mas aquela foi uma imagem igualmente icônica”, apontou.

A foto de Trump vestindo seu costumeiro terno azul-escuro, camisa branca e gravata vermelha de frente para um fundo cinza é agora possivelmente a mais famosa “mug shot” já feita, somando-se à galeria de rebeldes como o ex-jogador de futebol americano OJ Simpson e o astro do golfe Tiger Woods.

A apropriação da imagem por Trump ficou clara quando ele rapidamente a utilizou para postar sua primeira mensagem em mais de dois anos e meio na rede social X, o antigo Twitter.

Ele incluiu o slogan “nunca se renda” e acrescentou “interferência eleitoral” – expressão que costuma usar em referência à ideia de que os quatro processos criminais contra ele são um plano dos democratas para pôr fim à sua tentativa de voltar à Casa Branca nas próximas eleições.

– Ganhadora de votos? –

Alguns dos seus apoiadores mais proeminentes também estão usando a imagem como arma, enquanto o Partido Republicano busca retomar a Presidência de Joe Biden.

“Nem todos os heróis usam capas”, escreveu a congressista Lauren Boebert no X, ao lado da fotografia.

A congressista de extrema direita Marjorie Taylor Greene também publicou a foto, junto com a afirmação: “Esta é a foto que vai vencer a eleição presidencial de 2024”.

Os opositores democratas de Trump, por sua vez, tentaram usá-la em prol de seus próprios objetivos. “Ninguém está acima da lei”, disse no X, ao lado da foto, o Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes.

Memes zombando de Trump também circularam na internet. Alguns usuários de redes sociais compararam o olhar de Trump à expressão enlouquecida do protagonista no filme distópico “Laranja Mecânica” (1971), de Stanley Kubrick.

Trump ascendeu de bilionário do setor imobiliário a estrela de reality shows e depois a presidente a partir do marketing em torno de seu nome.

De sua cidade natal, Nova York, a cidades no Golfo e na Ásia, “Trump” já apareceu em todo tipo de coisa, de hotéis a prédios residenciais luxuosos, passando por campos de golfe e pistas de gelo.

“Muito do imaginário foi de sucesso e conquista, tudo dourado. Isto é bem diferente”, observou Binns.

O julgamento criminal da Geórgia por acusações de que ele tentou reverter o resultado aa eleição de 2020 é um dos quatro que Trump tem previstos para enfrentar no próximo ano.

Qualquer que seja o resultado, a “mug shot” permanecerá para sempre. Isso poderia prejudicar os negócios de Trump no longo prazo?

“A marca não quer ser sobre raiva e resistência. Essa é meio que sua marca política e vai funcionar para ele no curto prazo, mas a marca Trump em geral não é sobre isso”, ressaltou Binns.

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