Dois golpes duros, dados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), voltaram a jogar luz sobre as irregularidades cometidas pelo ex-juiz Sergio Moro e os procuradores na Lava Jato e reforçaram a tendência da Justiça de revisar a Operação.

No primeiro, na terça-feira (21), o ministro Dias Toffoli, num despacho robusto de 117 páginas, anulou, em decisão monocrática, todos os atos e investigações da 13ª Vara Federal de Curitiba envolvendo o empresário Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira que levava seu sobrenome, rebatizada de Novonor. A sentença envolve o período em que Moro, hoje senador do União Brasil pelo Paraná, chefiava os trabalhos. Só poderá ser modificada se houver recurso.
No mesmo dia, por três votos a dois, a Segunda Turma do STF considerou extinta a pena de prisão de oito anos e dez meses imposta por Moro ao ex-ministro José Dirceu, em 2017, uma das duas condenações do petista por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa decretadas no âmbito da Lava Jato.

Revés na Lava Jato: saiba como o STF beneficiou Odebrecht e José Dirceu
Odebrecht ficou livre de todas as ações e efeitos das investigações da Lava Jato, inclusive os atos que ainda estão em fase pré-processual (Crédito:Fernando Lemos)

Toffoli foi rigoroso. “Declaro a nulidade absoluta de todos os atos praticados em desfavor do requerente (Marcelo Odebrecht) no âmbito dos procedimentos vinculados à Operação Lava Jato, pelos integrantes da referida operação e pelo ex-juiz Sergio Moro, no desempenho de suas atividades perante o Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba”.

O magistrado incluiu em sua sentença as ações contra o empresário ainda em fase pré-processual. E decidiu pelo “trancamento das persecuções penais instauradas em desfavor do requerente no que atine à mencionada operação”. Manteve, no entanto, a validade das revelações de Odebrecht no acordo de delação premiada feito com os procuradores.

O ministro destacou o “conluio processual” estabelecido entre Moro e os integrantes da força-tarefa, que, segundo ele, retirou direitos do empresário, numa referência aos diálogos obtidos pelos procuradores na Operação Spoofing. Nela, mensagens de Odebrecht e seus auxiliares foram interceptadas ilegalmente pelo hacker Walter Delgatti Neto.

“Fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar”, destacou. “O que poderia e deveria ter sido feito na forma da lei para combater a corrupção foi realizado de maneira clandestina e ilegal”, acusou. E foi além: “Nota-se um padrão de conduta de determinados procuradores integrantes da força-tarefa da Lava-Jato, bem como de certos magistrados, que ignoraram o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade para garantir seus objetivos — pessoais e políticos —, o que não se pode admitir em um Estado Democrático de Direito”.

Revés na Lava Jato: saiba como o STF beneficiou Odebrecht e José Dirceu
Em sua sentença, o ministro do STF Dias Toffoli acusa Moro e os procuradores da Operação de terem combinado ações para prejudicar Odebrecht (Crédito:TSE)

No acordo de delação premiada, Marcelo Odebrecht admitiu ter dado propinas a políticos de vários partidos e integrantes da máquina pública.
Em 2014, a Lava Jato prendeu seus executivos.
No ano seguinte, foi a vez de ele ir para a cadeia.
Meses depois, em março de 2016, Moro o condenou a 19 anos de prisão por lavagem de dinheiro, associação criminosa e corrupção.
Odebrecht cumpriu dois anos e meio em regime fechado e, em 2017, recebeu permissão de prisão domiciliar.
Em abril de 2022, o ministro do STF Edson Fachin reduziu a pena de dez para sete anos.

Na segunda pancada do STF na Lava Jato, o beneficiado foi José Dirceu. A decisão poderá ajudá-lo a recuperar os direitos eleitorais a tempo de concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados em 2026. Para isso, precisará livrar-se de outra pena, de 23 anos e três meses, pelos mesmos motivos, envolvendo a Engevix. Um recurso a essa condenação aguarda julgamento, ainda sem data marcada, no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os ministros do STF não entraram no mérito da existência ou não de crime. Discutiram apenas se o processo deveria ou não ser prescrito por prazo.

Prescrição

Nos casos de corrupção passiva, a prescrição ocorre 12 anos após o crime.
O prazo cai pela metade quando o réu tem mais de 70 anos no ato da condenação, caso de Dirceu.
Os ministros definiram 2009 como o ano do crime.
Como a sentença saiu 2017, o caso foi considerado prescrito.
O primeiro voto a favor de Dirceu foi dado por Ricardo Lewandowski quando ainda estava na Corte.
Na retomada de terça (21), ele foi seguido por Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques. Edson Fachin e Carmen Lucia votaram contra.

Apesar de estar ainda vetado em termos eleitorais, Dirceu segue forte fazendo política. Deseja influir nas eleições municipais, articula para o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, substituir Gleisi Hoffmann na presidência do PT em 2025 e não esconde a vontade de ir para a Câmara em 2026. “Até por justiça mereço voltar, mas quem vai decidir é o povo de São Paulo”.

Por uma coincidência carregada de ironia, também na terça (21) o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou por unanimidade o pedido de cassação do mandato de Moro por caixa dois e abuso de poder econômico na campanha, feito pelo PT e o PL. Os dois partidos decidiram não recorrer. Em um voto cheio de indiretas, Moraes disse que “apenas provas cabais” justificam condenação. Apesar da vitória, Moro deve ter sentido forte a estocada.