Quem são os imigrantes que votam na ultradireita alemã?

AfD não esconde desejo de deportações em massa, mas mesmo assim conquista eleitores entre alemães naturalizados e filhos de imigrantes.

Quem são os imigrantes que votam na ultradireita alemã?

O partido alemão de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) não esconde suas opiniões sobre os imigrantes em seu programa partidário. “A AfD vê a ideologia do multiculturalismo como uma séria ameaça à paz social e à existência contínua da nação como uma entidade cultural”, diz o texto.

Ainda assim, o multiculturalismo não parece ser uma ameaça para a própria AfD. Nos últimos meses, cada vez mais as mensagens da ultradireita têm sido direcionadas aos eleitores das muitas comunidades de imigrantes da Alemanha – com algum sucesso.

Isso acontece apesar de membros do partido promoverem abertamente a deportação de imigrantes e distribuir panfletos imitando “bilhetes aéreos” para a repatriação de imigrantes, com algumas alas da legenda defendendo ainda a deportação de migrantes que possuem cidadania alemã.

Nascido na Turquia, Ismet Var, de 55 anos, vive no país desde sua infância e adquiriu a cidadania alemã em 1994. Ele apoia a AfD desde sua fundação, em 2013. O entregador de Berlim teve seu trabalho diretamente afetado pelo aumento dos preços dos combustíveis após a invasão da Rússia na Ucrânia em 2022. Var não consegue entender por que tanto dinheiro está sendo “jogado fora” em ajuda econômica e militar para a Ucrânia. Ele deseja corte de impostos e a deportação de “imigrantes criminosos”.

Mas isso já está acontecendo – as últimas estatísticas mostram que o governo de centro-esquerda do chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, vem aumentando as deportações. “Agora, somente agora eles estão deportando pessoas”, diz Var. “Mas eles não costumavam fazer isso.” Ele acredita que foi necessária a intervenção do partido de ultradireita no cenário político alemão para que o governo agisse.

Política migratória ganha centralidade

A política migratória alemã ganhou completa centralidade na campanha eleitoral para as eleições gerais do país, que acontecem em 23 de fevereiro. Scholz foi duramente cobrado pela oposição após o país sofrer uma série de ataques perpetrados por imigrantes.

Em agosto de 2024, um ataque terrorista na cidade de Solingen matou três e deixou oito feridos. Três meses depois, um homem avançou com um carro sobre uma multidão em um mercado de Natal em Magdeburg, matando 5 e ferindo centenas. Na semana passada, em Munique, duas pessoas morreram após serem atropeladas intencionalmente por um homem, agora investigado por vínculo com o Estado Islâmico.

Tais situações não apenas pressionaram o governo de Scholz mas também endureceram drasticamente o discurso da oposição no Bundestag, a câmara baixa do Parlamento alemão. O movimento chegou a fazer com que uma moção anti-imigração do partido conservador União Democrata Cristã (CDU) fosse aprovada com a ajuda da ultradireita, algo que não acontecia na Alemanha desde a Segunda Guerra Mundial.

Na opinião de Var, a Alemanha se tornou tolerante demais com o que ele chama de “muçulmanos rigorosos”. “Não tenho nada contra eles quando rezam em casa, mas quando fazem propaganda, então sou contra”, disse ele.

Var sofreu racismo como recém-chegado à Alemanha na década de 1970. Ele se lembra de um zelador de seu prédio lhe dizendo que ele e sua família não estariam lá se Hitler ainda estivesse no poder. “Mas isso não me incomodou. Eu era pequeno”, diz ele.

Anna Nguyen também sofreu muito com o racismo na Alemanha. Nascida perto de Kassel em 1990, filha de refugiados vietnamitas, ela agora é representante da AfD no parlamento estadual de Hessen. No entanto, ela insiste, não são os alemães que são racistas com ela, mas as pessoas que ela acredita que sejam árabes.

“Durante a pandemia de covid, sempre foram imigrantes, presumivelmente árabes, que gritavam ‘corona, corona’ atrás de mim e do meu amigo chinês”, disse ela. “É verdade que na internet sou inundada por comentários racistas, mas da esquerda, mesmo que eles se digam antirracistas.”

Nguyen insiste que seu partido, enquanto isso, é indiferente à raça e não está buscando estrategicamente eleitores como ela. “Não se trata de origem imigrante”, diz ela. “Trata-se do fato de que todos os sensatos deste país querem evitar essa loucura ideológica verde. É uma questão de: posso ter uma vida boa? Ela é segura? Temos um fornecimento de eletricidade seguro?”

Visando novos eleitores

Os eleitores com histórico migratório são uma realidade demográfica na Alemanha. As estatísticas oficiais de 2023 mostram que cerca de 12% do eleitorado alemão tem origem não alemã – cerca de 7,1 milhões de pessoas. Em 2016, cerca de 40% dos eleitores de origem imigrante votaram no Partido Social Democrata (SPD), de centro-esquerda, e outros 28% na CDU, de centro-direita. Mas essa lealdade parece ter se desgastado.

De acordo com o Centro Alemão de Pesquisa sobre Integração e Migração (DeZIM), que divulgou um estudo sobre os hábitos de voto entre os migrantes no final de janeiro, há pouca diferença entre o comportamento de voto com ou sem histórico migratório. Nas eleições gerais de 2017, 35% dos turcos alemães votaram no SPD, enquanto 0% votaram no AfD. Agora, de acordo com o DeZIM, não há mais diferença entre alemães e eleitores com raízes migratórias.

Jannes Jacobsen, do DeZIM, coautor do relatório, disse que a AfD parece estar se tornando mais atraente para pessoas de diferentes origens. Ele também destacou que esses eleitores são cidadãos alemães – e se consideram alemães. “Portanto, talvez não seja uma surpresa tão grande o fato de essas pessoas não votarem de forma muito diferente do que daqueles que não têm histórico de imigração”, acrescentou.

Em 2023, Robert Lambrou, também parlamentar estadual da AfD em Hessen, fundou uma organização chamada “Com histórico migratório para a Alemanha” destinada a apoiadores imigrantes da AfD. O site da organização diz que ela tem 137 membros de mais de 30 países e que está aberta a qualquer pessoa “que professa sua crença na cultura alemã como a cultura dominante e trabalha pela existência contínua da nação como uma entidade cultural”.

“Minha experiência com a AfD é que não faz diferença se a pessoa tem origem migratória ou não”, disse Lambrou, de 55 anos, cujo pai era grego. “Não vejo o partido como xenófobo – queremos uma política de migração sensata.”

Mas é difícil conciliar isso com declarações como a do deputado da AfD no Bundestag René Springer, que, após revelações no início do ano passado de que políticos da sigla participaram de uma reunião que planejava a “remigração” em massa de imigrantes e alemães não brancos, escreveu no X: “Mandaremos os estrangeiros de volta para seus países de origem. Aos milhões. Isso não é um plano secreto. Isso é uma promessa.”

Lambrou concordou que algumas declarações são contraprodutivas se não estiverem devidamente fundamentadas em fatos ou se não expressarem nuances importantes. “Quando percebemos declarações de membros do partido que não consideramos corretas, tentamos buscar um diálogo interno na legenda”, disse.

Nenhum problema com o racismo?

No entanto, parece haver cada vez mais vídeos pró-AfD no TikTok feitos por pessoas não brancas nos últimos meses.

Özgür Özvatan, CEO da consultoria política Transformakers, disse que a AfD tem buscado ativamente a atenção dos eleitores imigrantes pelo menos no último ano – especialmente entre descendentes de russos e turcos – principalmente porque essas comunidades têm maior probabilidade de ter direito a voto.

De acordo com as estatísticas oficiais da Alemanha, há mais de 2,9 milhões de pessoas de origem turca na Alemanha, das quais cerca de 1,6 milhão têm cidadania alemã. A diáspora pós-soviética, por sua vez, também chega a milhões e inclui várias nacionalidades e etnias, inclusive a alemã. É provável que muitos também se sintam atraídos pela postura pró-Rússia da AfD em relação à guerra na Ucrânia.

Özvatan argumenta que tudo isso faz parte da estratégia do partido para expandir sua base de eleitores. “Seus eleitores potenciais no cenário dos não imigrantes são, obviamente, finitos”, observou. “Eles podem ter uma participação potencial de votos de cerca de 20-25%, mas se quiserem chegar a 30-35%, precisam expandir seu portfólio, e isso significa criar conteúdo e prometer políticas para as comunidades de imigrantes.” O especialista pontua ainda que imigrantes podem ter posições anti-imigração.

Nguyen insiste que os eleitores imigrantes não são dissuadidos pelo racismo e pelas contradições “porque eles sabem a quem se referem. São os imigrantes ilegais, especialmente os que vieram a partir de 2015. São aqueles que são criminosos e pessoas de origem migratória sofrem tanto com isso quanto qualquer outro”. O termo “imigrante ilegal”, apesar de defendido por membros do partido, é amplamente rechaçado por organizações de defesa dos direitos humanos.

Özvatan acredita que muitos eleitores imigrantes simplesmente não estão cientes das declarações racistas dos membros do partido e, mesmo quando ouvem um comentário racista explícito, rapidamente o descartam como algo secundário em relação à sua principal percepção da AfD. “O sentimento principal é: ‘eles são amigáveis conosco'”, disse, “e a AfD tenta promover esse sentimento”.