Por que desertores da Ucrânia voltam ao front

Por que desertores da Ucrânia voltam ao front

"CampoAté março de 2025, quem abandonou o serviço militar sem permissão pôde retornar sem consequências penais. A DW conversou com alguns desses homens, que detalham os sentimentos e motivos para essa decisão."Crime, que crime? Eu tive problemas com a família!", afirma o desertor do Exército ucraniano Kostyantyn. "Aliás, crime é eu não ter direito nem a reabilitação, nem a indenização, depois do meu ferimento." Ele é um dos 21 mil soldados que, segundo o Departamento de Investigações da Ucrânia, escaparam do front ou não cumpriram suas obrigações, mas que nos últimos meses retornaram voluntariamente para o serviço militar, a fim de evitar um processo.

O prazo em questão se encerrou em março de 2025. No começo do ano, havia quase 123 mil registrados por abandonar a tropa sem permissão e por deserção. Em 2023 e 2024, o número de casos ultrapassava as capacidades dos investigadores: em dois anos e meio, apenas 7% deles foram examinados.

Então chegou-se ao acordo tácito de que as autoridades não se ocupariam da questão, se o comandante conseguisse fazer os desertores retornarem à unidade. Em breve o Parlamento consagrou em lei essa prática, permitindo, desde o terceiro trimestre de 2024, o retorno sem punição. Uma outra emenda da lei, contudo, estabeleceu 1º de janeiro de 2025 como prazo máximo de tolerância, o qual foi então prorrogado por mais dois meses.

"Não entendo como a vida continua longe do front!

"Eu me chamo Yevhen, sou soldado das Forças Armadas ucranianas, e depois da deserção fui readmitido em serviço", relata o homem de 38 anos na praça de treinamento da 59ª Brigada de Assalto, em ação no setor do front próximo a Pokrovsk. "Eu luto há dez anos e venho de Mariupol. A guerra me consumiu do jeito dela, levou tudo de mim, a família toda. Mas eu sou duro na queda e tenho um senso de justiça muito forte."

Ele havia se afastado sem permissão da 109ª Brigada de Defesa Territorial, em que servia desde o início da invasão abrangente da Ucrânia pela Rússia: "Tive umas diferenças de opinião com o meu comandante da época. Ele não gostava de mim e me enviou numas missões daquelas de que a gente não volta. Mas eu voltei, e aí desertei."

Em Dnipro, Yevhen viveu um ano e meio e trabalhou ilegalmente. "Eu descansei um pouco, porque em todos aqueles anos só tive licença uma vez", conta Yevhen, que por fim se dirigiu à Polícia Militar: "Lá eu contei que tinha me afastado do serviço sem permissão, e que queria voltar."

No dia seguinte, juntamente com outros desertores, foi levado para um batalhão de reserva. Por fim aceitou a oferta da 59ª Divisão, e em breve estava de novo em ação na guerra. "Eu preciso lutar, sou um soldado do dedão do pé até a ponta do cabelo. Quando a gente volta do front para a cidade grande, é estranho, e difícil ver como a vida continua. Visto de fora, parece que não tem guerra: lojas, restaurantes, Maybachs, Jeeps, Porsches… As pessoas vivem, e não entendem o que acontece no front."

Compreensão para com os desertores

Agora Yevhen treina juntamente com uma dúzia de soldados que também voltaram ao serviço. O comandante, apelidado "Branco", se mostra compreensivo com o comportamento de seus novos camaradas: a grande maioria teve bons motivos para se retirar sem licença.

"Muitas vezes os postos não são rendidos por muito tempo, ou eles têm que ir para casa resolver problemas familiares." Também ocorre de um soldado ser registrado como desertor após um tratamento médico, se não se apresenta à sua unidade militar no prazo de dois dias.

Porém o comandante frisa que os que voltam cumprem suas tarefas corretamente, se são tratados de modo normal: "A maioria deles já serviu e preencheu postos, eles são mais bem treinados do que os novatos. Além disso, são mais motivados, é mais fácil trabalhar com eles."

No fim de 2024, quando os russos reforçaram a ofensiva em direção a Pokrovsk, a brigada ganhou novos recrutas. Na época, "Branco" criticou o nível de treinamento e espírito de luta deles, e vários abandonaram seus postos. Nos últimos três meses, porém, a situação melhorou na unidade, graças ao reforço dos que voltaram voluntariamente.

Entre a droga guerra e a felicidade familiar

"Os atos cometidos estão previstos no Código Penal, o que não significa que eles sejam maus soldados", justifica o oficial Roman Horodetsky, diretor do departamento de apoio psicológico aos soldados da 68ª Divisão, igualmente mobilizada para o front em Pokrovsk. Dos desertores, 30% voltaram, a metade para sua unidade original, relata.

Em sua opinião, o atual procedimento de volta ao serviço está bem organizado, porém não resolve a causa da deserção em massa da Ucrânia: "O problema principal é a exaustão física e psíquica dos soldados. Mas no momento é simplesmente impossível resolvê-lo", lamenta.

O comandante de 42 anos apelidado "Milka" é, ele próprio, também ex-desertor. Ele se recusa a explicar por que desertou – não do front, mas de uma posição recuada para onde foi transferido após sofrer um ferimento. "Por que eu voltei? Como posso explicar? A guerra é como uma droga, quando você esteve em uma, ela te atrai de volta. Não quer dizer que a gente precise dessas explosões, de jeito nenhum. Não sei como explicar."

"Milka" foi encarregado do treinamento dos soldados da 68ª Brigada. Ele acha que seu estado melhorou durante o tempo que passou em casa: "Estou novamente cheio de energia. No momento não penso de jeito nenhum em licença. Mas se eu pudesse, tirava a roupa toda, jogava gasolina e tacava fogo. E aí vestia um moletom, pegava meus filhos pela mão e ia passear. É isso o que eu desejo."