O secretário de Mudanças Climáticas de São Paulo, José Renato Nalini, criticou a defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à exploração de petróleo na Foz do Amazonas, no Amapá, às vésperas da COP-30. Para Nalini, a medida pode dar sinalizações de que o Brasil não dá a importância devida ao meio ambiente.
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A exploração do chamado ‘novo pré-sal’ é uma das principais bandeiras do Ministério de Minas e Energia, que convenceu Lula a aderir a ideia.
Confira a entrevista completa:
A disputa de espaços gerou uma briga dentro do Palácio do Planalto com o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva, e o Ibama, que apontavam os prejuízos da exploração na região. Meses depois, o Ibama recuou e autorizou a perfuração na região.
Nalini afirma não ver necessidade de explorar a região e ressalta os prejuízos ambientais em meio à realização da COP-30. O secretário paulistano analisa a medida como um desperdício de dinheiro e critica a mudança de opinião do petista e outros políticos sobre o tema.
“Sim, é incoerente. Um país que não quer ser uma pária ambiental como foi até há pouco, que trouxe aquela grife verde que se chama Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, uma ministra que já foi defenestrada no outro governo, um país que chama a COP e que fala que voltará a ser uma promissora potência verde, que promete investir em reflorestamento, no crédito de carbono, não precisaria ficar insistindo na exploração do petróleo na foz do Amazonas”, afirma.
“Me parece que é um desperdício de energia e dinheiro. É uma contradição muito ruim em termos de que um país tem um discurso e uma prática antagônica. Antes era o presidente, o ministro de Minas e Energia, a presidente da Petrobras, hoje você encontra uma porção de gente e aí você percebe como os ventos sopram onde estão a maioria”, completa Nalini.
Ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo entre 2014 e 2016, José Renato Nalini lembra que o petróleo não deve ser mais usado em poucos anos e que o processo para a extração do bem demora tempos.
“Eu fiquei bem convencido pelos especialistas que estavam lá de que vai demorar muito a prospecção até coletar o petróleo. Depois vai um tempo muito prolongado para extrair o petróleo. No momento, em que nós pudermos nos servir desse petróleo, vai estar batendo no limite final do petróleo sair de circulação”, ressalta.
O Planalto ainda deu uma sinalização negativa, na avaliação de Nalini, ao sugerir a dragagem de cruzeiros em Belém para servir de hotelaria para os turistas. O ex-juiz reforça que a ideia pode fazer a COP-30 iniciar com um crime ambiental.
“Estava preocupado também ao saber que no lugar de alojamentos de madeira que foram oferecidos e depois seriam removidos para outros espaços, preferiu-se grandes navios cruzeiros para atender essa demanda. Então a COP começaria com um crime ambiental, fazer uma dragagem em um lugar que não poderia ser feito”, diz.
Boas expectativas
Mesmo com os desafios ambientais que antecedem a COP-30, José Renato Nalini acredita que o Brasil não deve seguir o insucesso dos outros países e vê chances no avanço de um acordo para a preservação das florestas. O objetivo do Palácio do Planalto é fechar a negociação para um fundo bilionário de países ricos para a preservação da mata nativa em países emergentes.
O foco maior é a Amazônia, que, de acordo com um levantamento da WWF Brasil, poderá perder 50% do seu território nos próximos anos devido à combinação da mudança climática e o desmatamento.
“Na Amazônia, vamos destruir nosso maior patrimônio sem saber sequer o que ele significa, o que ele poderia nos trazer de resposta para enfermidades, novos alimentos, tanta coisa importante que está ali e estamos destruindo antes de saber, antes de conhecer, porque nunca houve empenho em levar para a Amazônia condições de sobrevivência”, critica Nalini.
Mas o país ainda enfrenta atrasos em obras e nas nomeações de autoridades que ficarão responsáveis pelo evento. O presidente da COP-30, o embaixador André Corrêa Lago, foi nomeado apenas neste ano, enquanto o campeão do clima Dan Ioschpe foi escolhido na semana passada.
Apesar dos desafios, o ex-presidente do TJSP vê a improvisação como um dos pilares do Brasil e afirma que o país saberá receber os turistas.
“Temos que torcer para que não ocorra. O Brasil é um país da improvisação. A COP 92, por exemplo, foi cercada de expectativas, e o Rio de Janeiro se tornou uma cidade maravilhosa e segura, as pessoas aproveitaram. Foi muito importante o resultado da COP 92”.
“Agora, eu fiquei preocupado com a lentidão, né, por exemplo, conhecendo Belém, sabemos que ela não é conhecida por sua infraestrutura hoteleira. Nós temos que confiar que o Brasil é um país que sabe receber”.
Leia a entrevista completa
IstoÉ: Vou começar falando da COP 30, porque é inegável que temos problemas climáticos hoje no Brasil e no mundo. A temperatura tem subido muito. Segundo dados de ambientalistas, há a possibilidade da temperatura do planeta subir até dois graus até 2050, o que é significativo. Também temos a questão do desmatamento. Este ano, como disse na abertura, sendo o ano da COP 30, enfrentamos muitos desafios, principalmente aqui no Brasil. Nós temos a maior floresta do mundo, a Floresta Amazônica, além de outras grandes áreas verdes no Brasil. Mas temos muitos desafios em relação à COP 30. Qual é a principal expectativa que podemos ter para este ano em termos de negociações com outros países e de benefícios para o Brasil em relação ao clima e ao meio ambiente?
José Renato Nalini: A COP 30 deveria responder aquilo que as últimas três COPs não responderam, ou seja, foram realizadas em países produtores de petróleo, então, o tema mais importante é a descarbonização do mundo, na verdade, deveríamos falar em “desfossilização”, porque somos feitos de carbono, então não levando a sério a descarbonização, seríamos excluídos. Mas isso ficou, de certa forma, oculto. Não se discutiu porque não havia interesse dos países anfitriões.
A segunda expectativa é que o Brasil cumpra os compromissos assumidos, especialmente no que diz respeito ao apoio dos países ricos aos emergentes. A promessa era de um trilhão e 300 bilhões, mas nem chegou perto disso. Houve uma promessa de 300 bilhões. Essas duas expectativas serão o centro das discussões, principalmente para os países interessados.
Outro problema é a mudança na geopolítica, especialmente com a vitória de [Donad] Trump [presidente dos Estados Unidos], o tema ficou de certa forma contaminado. Há muita expectativa, e, portanto, o Brasil precisa estar preparado para responder a esses anseios da comunidade internacional.
O senhor mencionou as COPs anteriores. Tivemos duas recentes, no Egito e no Azerbaijão, que foram quase nulas em avanços. Houve problemas nas negociações, e até mesmo o prazo precisou ser estendido. Comparando com o Brasil, temos atrasos em nomeações e obras em Belém. Qual a diferença desta COP para as anteriores? Podemos esperar mais sucesso desta vez?
O Brasil tem uma posição extremamente favorável em termos de mudança climática. Somos detentores da maior reserva de água potável do mundo, da maior cobertura vegetal, o grande pulmão do planeta que é a Amazônia, e outros biomas que tem uma biodiversidade riquíssima. Estamos em uma posição privilegiada, desde que possamos chegar com propostas concretas e levemos as nações que podem a honrarem seus compromissos.
Não sei se teremos todo esse cacife. A região é emblemática, fala-se, inclusive, que a expectativa de 50 mil visitantes pode vir a ser atendida de uma forma muito maior, com cerca de 100 mil visitantes, porque é a Amazônia, é a oportunidade para o mundo ver o que é essa região tão falada. As expectativas são muitas. Eu acho que precisamos ajudar o governo: empresariado, iniciativa privada, academia e universidades devem colaborar com temas para discussão antes e durante a COP.

José Renato Nalini, secretário municipal de Mudanças Climáticas de São Paulo, durante entrevista à IstoÉ
Sobre as nomeações, tivemos demora na nomeação do embaixador André Corrêa do Lago como presidente da COP 30 e do campeão do clima, escolhido recentemente. Também há atrasos em obras. Essas demoras prejudicam as negociações e podem indicar que esta COP também pode “flopar”?
Temos que torcer para que não ocorra. O Brasil é um país da improvisação. A COP 92, por exemplo, foi cercada de expectativas, e o Rio de Janeiro se tornou uma cidade maravilhosa e segura, as pessoas aproveitaram. Foi muito importante o resultado da COP 92. Agora, eu fiquei preocupado com a lentidão, né, por exemplo, conhecendo Belém, sabemos que ela não é conhecida por sua infraestrutura hoteleira. Estava preocupado também ao saber que no lugar de alojamentos de madeira que foram oferecidos e depois seriam removidos para outros espaços, preferiu-se grandes navios cruzeiros para atender essa demanda. Então a COP começaria com um crime ambiental, fazer uma dragagem em um lugar que não poderia ser feito.
Tudo isso causa um pouco de espécie, mas a nomeação de André Corrêa do Lago, um diplomata competente, parece ter superado parte do problema. Tudo indica que há uma conjunção de esforços, nós vemos grupos atuando para que haja possibilidade de bom atendimento, para que haja fluência idiomática. Para quem foi nas últimas COPs sabe que é uma estrutura fenomenal em termos de organização. Milhares de jovens falando outras línguas, recebendo bem, acomodações perfeitas.
Nós temos que confiar que o Brasil é um país que sabe receber e, por isso, precisaríamos ter eventos prévios nas grandes capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília para que esses visitantes vissem que não é só Belém. Os países que fizeram COP ultimamente são países menores, agora, nós somos um continente, temos mais coisa para mostrar. Por isso que São Paulo (cidade) quer fazer alguma coisa durante o ano todo, mas sem tirar o protagonismo da COP.
O senhor citou a necessidade de visitas em outras capitais, como Rio e São Paulo. Não seria mais viável incluir outras cidades da Amazônia, como Manaus ou Rio Branco? E sobre a infraestrutura hoteleira e a segurança, o governo planeja um esquema semelhante ao do G20 no Rio, que foi um sucesso. Mas os hotéis estão ficando caros, e até imóveis particulares estão com preços exorbitantes. Belém está pronta para receber um evento desse porte?
Eu só posso dizer que torço e quero, como brasileiro, que Belém faça bonito. Temos que confiar no governo estadual, no prefeito e no governo federal, que está injetando muitos recursos. Nós sabemos que há muito dinheiro ali e vamos esperar que sim. De início, depois de chegar do Azerbaijão, depois de verificar a excelência da organização de Baki, eu fiquei extremamente preocupado.
Por isso é que nós pensamos em fazer algo paralelo, não durante a COP, mas fazer algo em São Paulo durante o ano todo. Agora veja, Belém já antecipou a reunião dos grandes mandatários. Não vai ser durante a COP de 11 a 21, vai ser de 8 a 9 de novembro. O Rio vai receber, já fez o pré-grupo do G20, vai haver reuniões do C40 com grandes capitais do mundo inteiro. Então, independentemente de Belém dar certo, as cidades brasileiras precisam mergulhar no espírito da COP, na filosofia da COP. Mostrar para a população que a situação não é mais de mudança climática, mas é de emergência climática. Nós estamos ali prestes a romper o turning point e não ter mais retorno. Então, é uma oportunidade para refletirmos.
O mundo está mais quente, com previsão de aumento de até dois graus até 2050. Há também a previsão alarmante da WWF de que a Amazônia pode ser reduzida em 50% devido ao desmatamento e às mudanças climáticas. Há conivência dos governos com a falta de transparência em ações ambientais? O Brasil propõe um fundo com países desenvolvidos para preservar florestas. Esse fundo pode ser uma solução para o desmatamento?
Nós temos uma situação no âmbito normativo, ou seja, a Constituição da República tem o artigo 225, que foi considerado quando a Constituição foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988, a mais bela norma fundante produzida no século XX. Porque o artigo é um ato de coragem do constituinte, erigindo o nascedouro, ou seja, aquele que ainda não nasceu, como titular de direito a um ambiente saudável, sendo nossa responsabilidade das atuais gerações de preservar esse ambiente para a qualidade de vida de quem ainda não nasceu.
Depois nós temos inúmeras leis protegendo o meio ambiente, temos leis para tudo que você possa imaginar. O que acontece no Brasil é um descompasso entre a sofisticada legislação, sabemos normatizar muito bem, e a nossa prática, que é uma prática falível. Nem sempre cumprimos aquilo que nós entendemos que seja algo que não pode ser objeto de descaso.
Então, a existência de fundos é importante sim, mas o que temos visto desde 1992, que foi a primeira COP, onde está o dinheiro? O dinheiro não entrou. Nós vamos ver pela segunda vez os Estados Unidos deixando o acordo de Paris, que foi um compromisso assumido em 2015, que previa um limite que já foi superado. Os dois últimos anos, 2023 e 2024, foram os anos mais quentes da história, desde que existem os registros, ou seja, desde 125 mil anos atrás. Mas isso não parece entrar na mentalidade das pessoas que têm força e comando suficiente para mudar o nosso trato com a natureza. Estamos sendo pérfidos, cruéis e inclementes com a natureza.
Na Amazônia, vamos destruir nosso maior patrimônio sem saber sequer o que ele significa, o que ele poderia nos trazer de resposta para enfermidades, novos alimentos, tanta coisa importante que está ali e estamos destruindo antes de saber, antes de conhecer, porque nunca houve empenho em levar para a Amazônia condições de sobrevivência. São 29 milhões de brasileiros que estão ali, sobrevivendo com uma economia extrativa cada vez mais difícil, subordinando à vontade da criminalidade internacional, que domina a região, então, acho que é um momento, neste ano de 2025, do país repensar e passar a ter bastante juízo no trato com essa questão, principalmente a Amazônia, que é um lugar que, se vier a falhar, não é só o Brasil, não é só o Sudeste, é o mundo que vai sofrer consequências.
A saída dos EUA do Acordo de Paris e a possível ausência de Trump na COP 30 têm impacto? Como a falta da maior economia do mundo afeta as negociações?
O impacto já está sendo sentido, quando verificamos que muitas empresas americanas que estavam com uma pauta ESG muito atuante, já abandonaram essa política. É evidente que para o Brasil, que já teve fases em que presidentes afirmavam que o que era bom para os EUA era bom para o Brasil, também se ressente. Mas temos que pensar que os EUA têm uma democracia forte, instituições fortes.
A União não tem a força que teria a união da República Federativa do Brasil até pouco tempo atrás, hoje a coisa está um pouco diferente porque o Legislativo assumiu um protagonismo muito grande e o Judiciário também ocupa o outro espaço, já não podemos falar, como diriam os americanos, sua magestade presidente do Brasil, já não é assim.
Mas nos Estados Unidos há um controle muito grande por parte do poder Judiciário, por parte da Suprema Corte. Veja que coisa interessante, a maioria da Suprema Corte já foi nomeada pelo presidente Donald Trump, e mesmo assim têm feito resistência a certas atitudes dele. Agora, é lógico que seria muito mais importante que os Estados Unidos honrassem esses acordos, porque onde eles vão, eles levam uma porção de democracia ocidentais.
Eu acho que isso dá mais responsabilidade para o Brasil. O Brasil é um país que não é mais emergente, já é a sexta ou a sétima economia do mundo, pode ser líder aqui na América Latina, está nos BRICS, então acho que isso fortalece se tivermos juízo de firmar posições e falar que não é porquê um grande presidente está tomando uma posição que devemos tomar também. Podemos manter a posição de fazer uma boa política.
O presidente Lula priorizou o meio ambiente ao trazer a COP 30 para o Brasil, mas defende a exploração de petróleo na margem equatorial. Isso não é contraditório?
Sim, é incoerente. Um país que não quer ser uma pária ambiental como foi até há pouco, que trouxe aquela grife verde que se chama Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, uma ministra que já foi defenestrada no outro governo, um país que chama a COP e que fala que voltará a ser uma promissora potência verde, que promete investir em reflorestamento, no crédito de carbono, não precisaria ficar insistindo na exploração do petróleo na foz do Amazonas.
Mas essa tese é uma tese que é do presidente, é a da presidente da Petrobras, que é de muitos negacionistas que falam que ‘as Guianas estão explorando petróleo, porque nós não?’.
Eu participei de um debate na Fundação FHC que eu fiquei bem convencido dos especialistas que estavam lá de que vai demorar muito a prospecção até coletar o petróleo. Depois vai um tempo muito prolongado para extrair o petróleo. No momento, em que nós pudermos nos servir desse petróleo, vai estar batendo no limite final do petróleo sair de circulação.
Então, me parece que é um desperdício de energia e dinheiro. É uma contradição muito ruim em termos de que um país tem um discurso e uma prática antagônica. Se você verificar, principalmente depois da eleição do Trump, a defesa da exploração do petróleo na Foz dos Amazonas ganhou muita força. Antes era o presidente, o ministro de Minas e Energia, a presidente da Petrobras, hoje você encontra uma porção de gente e aí você percebe como os ventos sopram onde estão a maioria.

José Renato Nalini, secretário municipal de Mudanças Climáticas de São Paulo, durante entrevista à IstoÉ
Em São Paulo, enfrentamos chuvas fortes, alagamentos e quedas de árvores. A cidade está preparada para as mudanças climáticas?
É de se reconhecer que hoje não está preparada totalmente, mas há um trabalho insano da prefeitura. Veja bem, o prefeito Ricardo Nunes foi o primeiro a criar uma Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas. Colocou na Secretaria de Governo, que é junto do gabinete dele, para que ele tenha um controle daquilo que essa secretaria tem que fazer, que é articular ações entre todas as pastas, com as empresas públicas municipais, dialogar com a sociedade para que as emergências climáticas entre no radar de todas as pessoas.
São Paulo é fruto de uma ocupação insensata, irracional. Nós temos um país imenso, muito território, não faz sentido a gente concentrar só nos limites de uma cidade quase 13 milhões de pessoas, que começam a ocupar áreas que são insuscetíveis de sediar moradia. Hoje, na região dos mananciais, há uma lei de proteção de mananciais. O bioma Mata Atlântica está previsto na Constituição e ainda tem lei da Mata Atlântica, lei dos mananciais, entretanto temos uma ocupação completamente obsessiva, uma coisa que para as pessoas entenderam precisam sobrevoar aquela região em um fim de semana e ver a força do mutirão, parece um formigueira trabalhando. Então, é um crescimento doentio, é uma metástase o crescimento na região dos mananciais.
Por que isso é ruim? Porque nós só temos uma represa abastecida com nascentes locais, que é a represa de Guarapiranga. E ela está perdendo profundidade e está contaminada, porque ali chegam esgoto em natura, os resíduos fármacos não são eliminados no tratamento, então as pessoas estão tomando alguma coisa que parece água, mas não é exatamente aquilo do que deveria ser um líquido inodoro, incolor e insípido, é alguma coisa que já é fruto de um tratamento mais agressivo e com cada vez mais substâncias químicas que não sabemos o que vai causar nas crianças das novas gerações.
Mas a Prefeitura tem feito muita coisa e ninguém enxerga nesses últimos anos, por exemplo, quase 10 bilhões de investimentos em macrodrenagem, ou seja, você prepara o solo para que ele absorva água e não cause inundações. Jardins de chuva, é uma solução para devolver um pouco para a natureza aquilo que subtraímos dela, porque a cidade é para os automóveis, não é uma cidade para as pessoas. Nós temos 8 milhões de veículos percorrendo diuturnamente a cidade, qualquer lugar tem trânsito e em qualquer hora da noite.
Os piscinões que estão sendo feitos, as limpezas de córregos, a edificação de muros e arrimo para não ter deslizamentos, então muita coisa tem sido feita. Agora, a dimensão de São Paulo não permite que você corrija 475 anos de irracionalidade e insensatez em uma gestão. Nós temos feito aquilo que é possível e temos pedido a colaboração da população que pode sim ajudar muito.
Nós temos três vilões que comprometem a nossa qualidade de vida: o transporte, que é responsável pela emissão de 61% dos gases venenosos causadores do efeito estufa. Cerca de 31% é energia, nós dependemos de energia e vamos depender cada vez mais, com a inteligência artificial com grandes data centers por aí, e 8% é resíduo sólido. São Paulo produz um lixo que é fabuloso em termos de quantidade e até de qualidade. Enquanto países adiantados reciclam praticamente tudo, aqui é só 3% daquilo que se coleta chega para a reciclagem, porque as pessoas não separam.
Não precisaríamos chegar à sofisticação da Suíça que tem nove categorias de descarte, aqui bastaria que as pessoas separassem comida, aquilo que é orgânico, que depois poderíamos transformar em biometano, em energia limpa, o vidro e o resto dos recicláveis. Se fizéssemos isso, já teríamos um grande progresso.
Então, 13 milhões de pessoas se convencerem de que isso vai afetá-las, como já está afetando a vida de todo mundo, nós poderíamos ter quase que um milagre. Muitas pessoas, fazendo um pequeno gesto, em conjunto e sabendo o porquê, o resultado é impressionante.
Recentemente, o senhor disse que as árvores são a melhor solução para a população, mas vemos muitas sendo derrubadas para construções. Há redução de áreas verdes em São Paulo?
É um problema complexo. Agora, surpreendentemente, eu, se não estivesse na secretaria, não teria noção daquilo que São Paulo tem de verde. A comunidade internacional, reconhece São Paulo como uma das cidades mais arborizadas do mundo. Nós temos plumas de reconhecimento que São Paulo tem verde.
Um levantamento empírico através de georeferenciamento, satélite, drones e etc, fez um cálculo de que nós temos 89 milhões de árvores, número que me surpreendeu, eu não teria ideia. O prefeito expropriou 32 áreas que estavam em mãos de particulares, mas que tinham remanescentes verdes, que vão ser acrescentadas aos 119 parques e vão receber plantio.
Por causa desse reconhecimento, que é internacional e nós aqui nem sempre notamos, o Papa chamou o prefeito lá com mais 19 outros para saber o que se estava fazendo em termos de arborização. Tinha a prefeita de Paris, Kyoto e vários outros. E o prefeito tem tanta sensibilidade em relação à árvore, porque ele é lá do extremo sul, onde tem fragmentos de Mata Atlântica, região dos mananciais, ele quer neste ano de 2025 plantar 125 mil árvores. Nós já temos 170 mil mudas nos dois viveiros da Prefeitura, todas adultas, que tem o tamanho acima do peito de uma pessoa normal.
Estamos chamando todas as empresas, clubes, igrejas e todos que querem fazer plantio. O paulistano não sabe que nós tínhamos 15% da área do município com parques e cobertura vegetal, só em parques municipais. Com essa desapropriação de áreas, nós ficamos com 26%. E considerando o verde de todas as outras entidades estaduais, federais e particulares, nós temos 54% de verde em São Paulo, o que é muito mais dos 30% recomendados pela Organização Mundial da Saúde.
Então, o problema é a distribuição. Nós temos as regiões Oeste, Butantã, Pinheiros, a Cantareira, extremo sul, Parelheiros, a diferença de temperatura chega a 10ºC entre lugar que tem árvore e lugar que não tem árvore. Então, nós identificamos as regiões mais áridas do município de São Paulo. Pela ordem: Sapopemba, Itaquera e Mooca. E vamos atacar essas regiões plantando árvores.
Não é fácil, porque você precisaria convencer a população de que a árvore é uma coisa boa. A prefeitura recebe semanalmente mais de 100 pedidos para a remoção de árvores e recebe dois pedidos para plantio. ‘Árvore é bom, mas não quero na frente da minha casa, porque quebra a minha calçada, porque cai folha e eu tenho que varrer. Porque é um local onde o bandido vai se esconder’. Então, isso é o que nós precisaríamos mudar, porque no momento que a pessoa souber o que uma árvore significa, a árvore oferece um serviço ecossistêmico gratuito e essencial à nossa vida. A árvore sequestra carbono e devolve oxigênio, ela permite que haja proliferação de fauna, principalmente dos pássaros, ela permite que a água se infiltre para o lençol freático, enquanto em outra região ela pode virar correnteza e enxurrada.
Sobre o túnel na Avenida Sena Madureira, criticado por ambientalistas devido à derrubada de árvores, qual o prejuízo ambiental? E quais as soluções para reduzir alagamentos em São Paulo?
Primeira questão é uma questão emblemática e um assunto que ganhou manchetes. Eu, particularmente, também não gosto da destruição de árvores e tudo mais. Os técnicos dizem que se houver um encurtamento da distância que os veículos vão percorrer até às rodovias que conduzem até o litoral, vai haver uma redução na emissão dos gases causadores do efeito estufa. Isso é o que teria justificado a obra. É aquele cotejo entre o mal menor e o mal maior.
Os técnicos consideram que o mal menor seria eliminar essas árvores e fazer o encurtamento do trajeto. Mas veja que a população, de tal forma, ela reagiu que hoje a obra está parada. Segundo consta, eles chegaram a lançar sementes no lugar e já está crescendo.
Mas uma cidade nas dimensões de São Paulo é uma cidade que tem paradoxos, que tem coisas que colidem. Só hoje que se tem tentado fazer com que haja uma coordenação para que uma secretaria saiba o que a outra vai fazer. Eu acho que estamos em um bom caminho para encontrar pelo menos um equacionamento de coisas que se antagonizam com a política pública, como derrubar árvores, para uma gestão que é defensora do verde na cidade.
A questão do alagamento, além daqueles trabalhos que têm sido feitos nas regiões prioritárias, nós estamos realizando e já temos 29 cadernos de drenagem prontos feitos de uma forma técnica e muito competente que contempla a cidade em polígonos de acordo com sua condição geológica, hidrológica e de vulnerabilidade social. Outros 29 estão sendo elaborados e aí vamos ter um diagnóstico perfeito daquilo que deve ser enfrentado.