Entenda o relatório da OEA sobre liberdade de expressão no Brasil

Entenda o relatório da OEA sobre liberdade de expressão no Brasil

"DecisõesOrganização dos Estados Americanos enviou equipe para diagnosticar a garantia da liberdade de expressão no país. Relatoria apura atos golpistas, inquéritos contra parlamentares e bloqueios nas redes sociais.A visita do relator especial para Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), Pedro Vaca, ao Brasil, na segunda semana de fevereiro, foi marcada por uma queda de braço entre governo e oposição, com acusações mútuas de que a parte adversária atua para minar o direito à livre manifestação no país.

Em 2024, deputados da oposição pediram à OEA uma investigação sobre o que classificaram como violações à liberdade de expressão no Brasil.

As principais críticas dos congressistas aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro recaem sobre a atuação do Judiciário na condução dos inquéritos relacionados aos atos antidemocráticos no país. Eles acusam o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de promoverem uma "perseguição política" e minar a liberdade de pensamento no Brasil com prisões e bloqueios nas redes sociais.

Uma audiência para discutir o tema chegou a ser marcada, mas foi substituída pelas reuniões comandadas por Vaca. A visita foi provocada pelo próprio governo brasileiro, que convidou a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão a mapear a garantia ao livre pensamento no país. O Palácio do Planalto acusa apoiadores de Bolsonaro de promoverem desinformação e ódio nas redes sociais e atacarem o Estado democrático de direito brasileiro.

"Por meio desses diálogos, o relator especial pretende entender a diversidade de perspectivas e experiências sobre o direito à liberdade de expressão, inclusive no espaço digital", escreveu a Relatoria, ao anunciar as reuniões no Brasil.

Como o relatório será feito

O escritório chefiado por Vaca atua sob o guarda-chuva da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e foi criado em 1997 para "incentivar a defesa do direito à liberdade de pensamento e expressão" dado o papel desse direito "na consolidação do sistema democrático".

Desde então, o órgão produziu diversos relatórios sobre a situação da liberdade de expressão em países como Paraguai, Haiti, Panamá, Cuba e México. Os documentos detalham os riscos à garantia dos direitos humanos nos países e faz recomendações de ação para Executivo, Legislativo e Judiciário. Os textos costumam mapear tópicos como liberdade de imprensa, acesso à informação, liberdade de expressão nas redes sociais, proteção de jornalistas, perseguição e prisões arbitrárias.

No relatório de 2019 sobre o Equador, por exemplo, a Comissão Interamericana critica os níveis de liberdade de imprensa no país, a dificuldade de obter informações públicas com órgãos do governo e cita "estratégias sistemáticas" para derrubar contas e conteúdos políticos das redes sociais. Entre as recomendações, ela sugere que o país "limite as solicitações às empresas de internet para remover conteúdos".

Documento similar deve ser produzido pela equipe de Vaca sobre o Brasil. Esta é a primeira vez que o relator especial da OEA visita o país oficialmente. As recomendações listadas não são vinculativas, ou seja, não há pena para o país se não forem cumpridas.

O que a OEA apura sobre o Brasil

A extensa agenda de Pedro Vaca na visita ao Brasil indica a preocupação de seu escritório com a invasão à Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, o inquérito que investigou uma tentativa de golpe de Estado no país, bloqueios judiciais contra perfis nas redes sociais e a desinformação.

Da administração federal, Vaca se reuniu, por exemplo, com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência, com a ministra de Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, e os ministros das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias.

"Na ocasião, foram apresentadas as estratégias e políticas públicas adotadas no atual governo para combater a desinformação e promover a defesa de direitos dos cidadãos no ambiente digital", informou o governo federal em nota. Vaca também recebeu informações sobre a proteção de crianças e adolescentes no Brasil.

"Entre os exemplos de prejuízos aos cidadãos, o ministro [Messias] citou campanhas de fake news associando a vacina contra a covid 19 a risco de contração do vírus HIV; mentiras veiculadas em redes sociais que prejudicaram o acesso a ajuda das vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul; e o crime contra a ordem econômica representado por mentiras recentemente divulgadas sobre o PIX", prosseguiu o governo.

A pasta também defendeu a regulamentação das plataformas digitais como forma de evitar "atos concretos de violência" no Brasil.

Vaca também se reuniu com os ministros do STF Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Na conversa, os magistrados contextualizaram "fatos ocorridos no país que exigiram firme atuação do Supremo" e culminaram na invasão de 8 de Janeiro.

Eles elencaram, por exemplo, a "politização das Forças Armadas, os ataques às instituições, além do incentivo a acampamentos que clamavam por golpe de Estado".

Já Moraes detalhou as circunstâncias que culminaram na suspensão da rede social X no Brasil, os motivos para o bloqueio de redes sociais de investigados e as apurações sobre a tentativa de golpe de Estado e de assassinato do presidente Lula. Ele também se reuniu com integrantes da Polícia Federal. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra Cármen Lúcia apresentou o sistema eletrônico de votação utilizado no Brasil.

Pressão de bolsonaristas

Entre representantes do Legislativo, a equipe esteve com a senadora Eliziane Gama (PSD), relatora da Comissão Parlamentar Mista sobre o 8 de Janeiro, e com a deputada federal Jandira Feghali (PC do B). Segundo esta, o relator pediu informações sobre o funcionamento da imunidade parlamentar no Brasil.

Já em reunião com congressistas da oposição, como Bia Kicis, Nikolas Ferreira, Magno Malta e Carla Zambelli, todos do PL, os deputados chamaram as ações de Moraes de "abuso de autoridade". Eles citaram, por exemplo, apreensões da Polícia Federal em operações de que são alvos, e chamaram de "desmedidas" as injunções judiciais contra envolvidos no 8 de Janeiro.

Relator "impressionado" com relatos

O relator ainda esteve com Bolsonaro. Segundo o ex-presidente, Vaca prometeu fazer um "relatório sincero" sobre o Brasil. Questionado pelo jornal online Metrópoles sobre conversas com aliados de Bolsonaro, o relator comentou que "o tom dos relatórios é realmente impressionante".

"Eu estou aqui a convite do Estado do Brasil e isso, aos olhos da comunidade internacional, mostra uma abertura à observação internacional que encontramos, de ampla força democrática e de enorme contribuição ao diálogo regional", disse em outra ocasião. Segundo ele, a presença da Comissão teve objetivo de realizar "uma conversa serena" com as autoridades.