O social-democrata Bernardo Arévalo tomou posse como presidente da Guatemala na madrugada desta segunda-feira (15), após um boicote judicial que manteve o país em tensão por sete meses, entretanto, reconheceu que sua corrida de obstáculos está longe de terminar: “imensos desafios nos aguardam”, alertou.

Da varanda do Palácio Nacional, no centro da capital, Arévalo pediu aos guatemaltecos que acompanhassem sua gestão para resgatar as instituições do país da “corrupção” e alcançarem o desenvolvimento social desta nação centro-americana.

“Iniciam hoje os quatro anos de um mandato que certamente estará marcado por uma série de obstáculos, muitos dos quais não podemos prever neste momento. Sabemos que a mudança pode ser difícil”, afirmou.

O presidente, um sociólogo, ex-diplomata e filósofo de 65 anos, previu que precisará “tomar decisões difíceis” e enfrentará “momentos de dúvida e medo”.

“Nos próximos anos, a tentação de confrontar e aumentar nossas diferenças será recorrente. Este período trará consigo a possibilidade de cometer erros” e receber críticas, disse.

O mandatário também reiterou seu compromisso de “transformar” não só as instituições do Estado, como a “realidade cotidiana” dos guatemaltecos.

“Chega de corrupção, chega de exclusão”, declarou, com a faixa presidencial cruzada no peito e perante uma multidão de apoiadores que comemoravam e dançavam ao ritmo de grupos musicais.

Nesta segunda-feira, o presidente americano, Joe Biden, parabenizou Arévalo e destacou sua posse como um “testemunho do nosso compromisso compartilhado com a democracia e a vontade do povo”.

“Espero continuar a forte parceria entre as nossas nações à medida que avançamos nos direitos humanos, fortalecemos a segurança civil, combatemos a corrupção, abordamos as causas profundas da migração e expandimos as oportunidades econômicas para as pessoas em todo o nosso hemisfério e em todo o mundo”, disse Biden em um comunicado da Casa Branca.

– Ministério Público –

Desde que passou inesperadamente para o segundo turno presidencial, prometendo combater a corrupção, o Ministério Público (MP) tentou retirar sua imunidade, desmantelar seu partido progressista e anular as eleições, alegando irregularidades eleitorais.

Arévalo, que considerou a investida baseada em casos “espúrios”, afirmou que uma de suas primeiras ações como presidente será pedir a renúncia da procuradora-geral Consuelo Porras, líder da ofensiva judicial e sancionada por Washington por “corrupção” e por “minar a democracia”.

“O primeiro obstáculo é o Ministério Público. É muito importante que a procuradora-geral, que tem sido a principal operadora do pacto de corruptos, saia”, disse à AFP o analista Manfredo Marroquín, co-fundador da Ação Cidade, versão local da Transparência Internacional.

Porras foi nomeada pelo ex-presidente Jimmy Morales e confirmada em seu posto, até 2026, por Alejandro Giammattei, que acabou de deixar o cargo, ambos associados aos setores corruptos. Arévalo, portanto, não tem poder para destituí-la.

– Corrupção –

O novo presidente declarou que enfrentará “desafios monumentais para erradicar as práticas de corrupção que têm permeado” o país e estão enraizadas no MP, nos tribunais, parlamento, governo, prefeituras e outras instituições públicas.

“Devemos superar obstáculos significativos para libertar o Estado daqueles que o capturaram por anos, utilizando como benefício próprio”, afirmou.

Para Jordan Rodas, ex-procurador de direitos humanos, exilado em Washington, esta será uma tarefa difícil. “Ele vai nadar em um pântano, entre a fauna selvagem, também ferida”, disse à AFP.

“Não devemos piscar, porque os políticos criminosos não desistem das suas tentativas ilegais e antidemocráticas”, alertou Carmen Aída Ibarra, do movimento cidadão ProJusticia.

Marroquín recordou que a população votou em Arévalo por sua promessa anticorrupção. “Deve dar resultados rápido na apuração das redes de corrupção, praças fantasmas que foram criadas para saquear o Estado”.

– Expectativas –

Arévalo tem a seu favor uma população saturada com a corrupção, comunidades indígenas que pedem o fim da exclusão e uma juventude que necessita de oportunidades para não deixar o país.

“Há uma expectativa muito grande e é necessário entender as limitações que o governo enfrenta”, afirmou Jorge Santos, coordenador da Unidade de Proteção a Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos na Guatemala.

O novo presidente assume um país que tem 60% de seus 17,8 milhões de habitantes vivendo na pobreza, um dos índices mais altos da América Latina e que leva milhares a emigrarem, sobretudo para os Estados Unidos.

“Será muito difícil governar, responder à expectativas do povo, que pede para enfrentar os corruptos e prestar atenção em sua situação socioeconômica”, disse Luis Linares, da Associação de Investigação e Estudos Sociais.

Apesar destas dificuldades, Arévalo promete uma “nova primavera”, evocando os governos dos ex-presidentes Juan José Arévalo, seu pai, e Jacobo Árbenz (1944-1954), cujos 10 anos em que governou ficaram conhecidos como a “primavera democrática”, de importantes reformas sociais que chegaram ao fim devido a um golpe de Estado patrocinado por Washington.

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