O novo presidente da Guatemala, o social-democrata Bernardo Arévalo, iniciou, nesta segunda-feira (15), o que antecipou como uma nova corrida de “obstáculos” para transformar um país assolado pela corrupção, que pôs em xeque sua frágil democracia.

Sociólogo e ex-diplomata, Arévalo, de 65 anos, assumiu o poder pouco depois da meia-noite desta segunda, após um dia conturbado no Congresso, que atrasou a cerimônia de posse em nove horas.

“Iniciam-se hoje quatro anos de um mandato que certamente será marcado por uma série de obstáculos (…) Sabemos que a mudança pode ser difícil”, afirmou Arévalo esta madrugada do balcão do Palácio Nacional, de onde cumprimentou milhares de apoiadores.

O presidente recém-empossado assistiu a uma missa na manhã desta segunda e mais tarde passou em revista as tropas como comandante-em-chefe pela primeira vez na Praça da Constituição, no centro da capital, e não em uma instalação militar.

Desde que passou inesperadamente para o segundo turno presidencial, prometendo combater a corrupção, enfrentou uma ofensiva judicial que denunciou como um “golpe de Estado”, maquinado pela poderosa elite econômica e política do país.

Em mensagem aos militares, ressaltou o compromisso do Exército, em um passado não muito distante autor de golpes de Estado e violações dos direitos humanos, de respeitar a vontade do povo neste “período sombrio”.

– “Monstro de mil cabeças” –

Em seu discurso de posse, o novo presidente prometeu resgatar o país da “corrupção” e da “impunidade”.

Mas admitiu que vai enfrentar “desafios monumentais” para erradicar a corrupção, que “se infiltrou” no país e está encrustada nos poderes do Estado, alimentando-se de governo em governo.

“Devemos superar obstáculos significativos para libertar o Estado daqueles que o capturaram durante anos, usando-o como um espólio próprio”, ressaltou.

Segundo analistas, os corruptos se infiltraram no Congresso, no Judiciário, no Executivo, em prefeituras… “É um monstro de mil cabeças”, disse à AFP Jordán Rodas, ex-procurador de direitos humanos, exilado em Washington.

Arévalo “deve dar resultados rápidos na depuração das redes que saqueiam o Estado”, dado o cansaço dos guatemaltecos com a corrupção, comentou à AFP Manfredo Marroquín, cofundador da Acción Ciudadana, afiliada à Transparência Internacional.

O presidente também tem como desafio evitar que sua própria equipe caia na corrupção. “Seu governo e deputados estarão sob forte escrutínio público”, disse o ativista humanitário Jorge Santos.

– “Fauna selvagem” –

Encabeçada pela procuradora-geral Consuelo Porras, com o apoio de juízes, a investida incluiu tentativas de tirar a imunidade de Arévalo, desarticular seu partido e anular as eleições, argumentando anomalias eleitorais.

O presidente, que qualificou as acusações de espúrias, afirmou que uma das primeiras tarefas como chefe de Estado será pedir a renúncia de Porras, sancionada pelos Estados Unidos.

“É muito importante que a procuradora-geral, que tem sido a operadora principal do pacto de corruptos, saia”, disse Marroquín.

Mas uma renúncia é pouco provável, segundo analistas. Com 23 deputados, Arévalo também lidará com um Congresso de 160 assentos, em sua grande maioria partidos tradicionais conservadores.

O dia de domingo mostrou as dificuldades que o novo governo vai enfrentar no Congresso, que se envolveu em debates e votações pró e contra em torno da bancada de Arévalo.

“Estará nadando em um pântano, em meio a uma fauna selvagem e também ferida”, advertiu Rodas.

O apoio internacional continuará sendo vital. A ONU e o presidente americano, Joe Biden, o cumprimentaram nesta segunda-feira. Seu governo sancionou Porras e centenas de funcionários guatemaltecos, considerados “corruptos” e “antidemocráticos”.

– “Nova primavera” –

Em nível doméstico, ele conta com o apoio das comunidades indígenas, que pedem o fim de sua exclusão, e de uma juventude que precisa de oportunidades para não emigrar.

O novo presidente assume o poder em uma Guatemala com 60% de seus 17,8 milhões de habitantes na pobreza, um dos índices mais elevados da América Latina, o que leva milhares de pessoas a optarem pela migração irregular, rumo aos Estados Unidos.

“Vai ser muito complicado governar, atender às expectativas do povo, que pede para enfrentar os corruptos e atenção à sua situação socioeconômica”, afirmou Luis Linares, da Associação de Pesquisas e Estudos Sociais.

Apesar das dificuldades que se avizinham, Arévalo promete uma “nova primavera”, evocando os governos dos ex-presidentes Juan José Arévalo, seu pai, e Jacobo Árbenz (1944-1954).

Essa década ficou conhecida como a “primavera democrática”, com importantes reformas sociais, e chegou ao fim devido a um golpe de Estado patrocinado por Washington.

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