Depois de controlar os gastos do Executivo por meio do Orçamento Secreto, agora o Centrão está de olho em cargos no exterior: a Proposta de Emenda à Constituição do senador Davi Alcolumbre, que permitiria que parlamentares possam assumir funções diplomáticas sem abrir mão do mandato, é o mais novo ataque dos políticos às instituições brasileiras. A “PEC das Embaixadas”, como ficou conhecida, é uma tentativa clara de subverter a cláusula pétrea da Constituição que garante a separação entre os poderes – e uma forma de transformar a política externa em um balcão de negócios em troca de apoio político. A medida é tão controversa que recebeu críticas não só do Itamaraty, mas até da Casa Civil.

A Constituição já possibilita que parlamentares assumam os cargos de ministro de Estado sem perder o mandato. Também é possível assumir a chefia de uma missão diplomática, desde que de maneira temporária. Essa PEC, no entanto, iria muito além e ampliaria a regra de maneira descabida, permitindo que parlamentares assumam embaixada s de forma permanente. A proposta interfere na função do Executivo, uma vez que o presidente da República ficará refém de acordos políticos na hora de escolher quem poderá representar o País no exterior. O problema hierárquico é evidente: o parlamentar-embaixador obedeceria ao seu superior, o ministro das Relações Exteriores, ou governaria em causa própria defendendo ideiais de seu partido ou bancada?

Para o cientista político e professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Guilherme Casarões, a tradição bicentenária do Itamaraty exige a formação de diplomatas por meio do curso do Instituto Rio Branco, realizado por meio de concurso público desde 1946. “Não é todo país que possui um serviço diplomático tão institucionalizado como o nosso. Esse ministério transcendeu regimes e sistemas políticos, parlamentarismo e presidencialismo, ou seja, são poucas as chancelarias do mundo que têm coisa parecida”, diz.

“Todo embaixador deve obediência ao presidente, por intermédio de seu principal assessor de política externa, o ministro das Relações Exteriores” Itamaraty, em nota contra a PEC

Essa alta profissionalização do corpo diplomático brasileiro, com cerca de 1.500 funcionários, seria suficiente para suprir as necessidades dos postos brasileiros no exterior. O professor lembra ainda que, historicamente, poucos políticos quiseram assumir posições de destaque em postos no exterior, caso do ex-presidente Itamar Franco e do ex-senador Jorge Bornhausen. “Nenhum deles ocupou o cargo enquanto ainda era parlamentar”, explica.

“Todo embaixador deve obediência ao presidente da República, por intermédio de seu principal assessor de política externa, o ministro das Relações Exteriores. Há exemplos de eminentes ex-parlamentares, indicados pelo presidente e aprovados pelo Senado, que desempenharam com brilho a responsabilidade de embaixador”, divulgou o Itamaraty. Ou seja, os cargos não são proibidos aos políticos, desde que renunciem ao mandato. O que transforma a PEC em instrumento do Centrão é o acúmulo de funções opostas.

Diplomatas ouvidos pela reportagem temem que políticos com mandato possam usar postos-chave para alavancarem carreiras em declínio ou, ainda, que possam servir como “prêmio de consolação” ou moeda de troca para votações de interesse do governo. O atual chefe do Ministério das Relações Exteriores, o ministro Carlos Alberto França, só não estaria se manifestando abertamente contra o projeto de Alcolumbre por temer não ser indicado para assumir a embaixada brasileira em Londres, seu grande objetivo após o fim do governo Bolsonaro. A PEC, que deve passar pela Comissão de Constituição de Justiça do Senado nessa semana, é um desrespeito ao eleitor brasileiro, que, ao votar em um parlamentar por suas propostas, verá que seu voto foi, no final das contas, usado para cavar uma vida de luxos no exterior.

O bom exemplo de Oswaldo Aranha

RESPONSABILIDADE Oswaldo Aranha: da política para a ONU (Crédito:Divulgação)

Antes de ficar conhecido por ações que levaram à criação do Estado de Israel, Oswaldo Aranha, chefe da delegação brasileira na Organização das Nações Unidas (ONU), foi um importante político brasileiro. Ele só assumiu o posto no exterior após deixar suas funções no Brasil. Foi governador do Rio Grande do Sul, ministro da Fazenda e das Relações Exteriores, e um aliado do então presidente Getúlio Vargas. Como Presidente da Assembleia Geral da ONU, em 1947, teve papel fundamental na votação que definiu a geopolítica no Oriente Médio. Por seus esforços, chegou a ser indicado ao prêmio Nobel da Paz, em 1948.