A vitória nas eleições parlamentares do Irã pertence às mulheres. Discriminadas pelo regime teocrático, elas estão promovendo uma revolução silenciosa sob as barbas dos aiatolás. São elas que apoiaram os reformistas e seu líder máximo, o presidente Mohammad Khatami, dando uma lavada nos conservadores conquistando 70% das cadeiras do Parlamento (Majilis). Mulheres que foram um número recorde nessa eleição com 513 candidatas. E entre as vencedoras está a mulher do presidente, Jamileh Kadivar, a segunda mais votada na capital Teerã, que passou a perna no líder espiritual do Irã, Ali Khamenei, que ficou apenas em terceiro lugar. O fato de uma mulher ter ganho de Khamenei demonstrou com clareza como essa autoridade espiritual vem perdendo sua força e como a população quer ver mesmo Estado e religião separados, uma vez que na hierárquica configuração do governo iraniano a última palavra ainda é do Líder Supremo. Para Vahid Talaqani, eleita também pelo partido de Khatami – a Frente de Participação do Irã Islâmico (FPII) –, a explicação do aumento da presença feminina no poder é simples. “Até agora, os direitos da mulheres foram negados no Irã e nosso papel obrigatório é recuperar isso”, afirmou Vahid.

Conquistas – As iranianas votam e têm o direito de se candidatar desde 1964, mas com a institucionalização de um estado teocrático, com a Revolução Islâmica em 1979, comandada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, elas passaram a ser reprimidas de uma forma sistemática. Nos últimos anos, porém, elas vêm voltando a ganhar força e realizando pequenas mudanças. Pintam os cabelos presos debaixo do chador – véu que as encobre. Pintam as unhas, escondidas em luvas negras. Assistem a programas na tevê a cabo e navegam na Internet. São mulheres que pregam a não-violência e fazem parte de protestos pacíficos. Pedem o fim do sistema clerical. Em julho do ano passado, por exemplo, quando os estudantes tomaram as ruas de Teerã, muitas dessas líderes comandavam as manifestações de longe. O Ocidente ainda conhece pouco sobre essas mulheres que frequentemente são confundidas com árabes (apenas 4% da população iraniana é árabe). São cultas e são maioria nas universidades. Não levantam exatamente bandeiras com slogans de “abaixo o véu”, mas exigem reformas profundas. No Irã, elas comumente fazem parte de casamentos arranjados, não têm direito ao divórcio, ao aborto e, se houver separação, a custódia dos filhos é do pai. Apesar de seguirem cada vez mais a moda ocidental, o chador é obrigatório e sua recusa pode até levar a punições pesadas. A Anistia Internacional denuncia que existe até medida e peso certos para as pedras usadas no apedrejamento de pessoas que burlam as leis islâmicas no Irã, inclusive mulheres que traem seus maridos. Entre essas tantas histórias dramáticas de condenações de iranianas está a de Homa Darabi, descrita pela irmã Parvin Darabi. A escritora, hoje residente na Califórnia, relatou o triste fim de Homa no livro Rage against the veil: the courageous life and death of an islamic dissident. Homa, que teve uma carreira brilhante de psiquiatra no Irã, negou-se a usar o véu. E, para evitar ser punida, planejou deixar o país. Porém, para obter um visto era necessário a aprovação formal do marido, que lhe foi negada. Homa foi condenada à pena de morte. A irmã, revoltada, não só escreveu o livro, mas criou a fundação Homa Darabi “para alertar outras pessoas sobre a situação das mulheres iranianas e de outras mulheres sob lei islâmica em outros países”. O livro foi banido na Europa e até hoje causa controvérsias por expor as feridas do mundo feminino nas sociedades islâmicas. “Mesmo que seja um Estado onde 99% das mulheres sejam islâmicas, as que não são merecem respeito por suas idéias e por sua religião”, afirmou Parvin a ISTOÉ.

Corrente internacional – As eleições parlamentares foram como um sopro de otimismo para Parvin. “São essas jovens, filhas da Revolução, filhas das que marcharam nas ruas apoiando Khomeini, que foram às urnas votar nos moderados. Elas não querem mais apanhar, elas não querem mais ser encarceradas. Elas vão mudar o curso da História.” Narges Kermanshahi, fundadora do movimento Iranian Women Voice, no Canadá, já não é tão otimista assim. Narges reconhece uma certa evolução nos resultados eleitorais, mas alerta para o longo caminho até uma democracia no Irã. “Acredito que haverá uma mudança real na política do Irã quando todos puderem participar de forma igualitária, sem ameaças. Infelizmente, enquanto for uma República Islâmica, acho impossível isso acontecer. E não acontecerá enquanto houver grupos mais importantes que o Parlamento”, afirma Narges. Talvez ela tenha razão, porque no sistema político iraniano as decisões do Parlamento são obrigadas a passar pelo crivo do Conselho de Guardiões – uma espécie de Câmara Alta do Legislativo –, que poderá rejeitá-las ou não de acordo com as leis islâmicas e a Constituição. Além, claro, da autoridade do líder espiritual, Ali Khamenei. Há dez anos morando no Canadá, Narges hoje faz parte de uma corrente de iranianas no Exterior que se articulam na luta pelos seus direitos. “Deixei o Irã porque não me sentia segura. Trabalhava como professora e sempre lutei pelos direitos democráticos do meu país. Com movimentos como esse, estamos dizendo às mulheres que ficaram que elas não foram esquecidas.” Elas não estão sós. Na contra-corrente do clero conservador, há um homem que dá ouvidos à voz feminina. É o aiatolá Yosef Sanei, um dos mais respeitados no governo iraniano. Sanei declarou que “não há nada que deva impedir uma mulher de tornar-se um líder supremo ou um presidente”. E o aiatolá não parou aí para surpresa do clero xiita. Ele ainda disse que o Islã está em perfeito acordo com os direitos humanos, que devem ser respeitados no Irã. O véu da intolerância dá sinais de que finalmente está perdendo a força no país dos aiatolás.