As emoções primitivas, sejam quais forem, amor, ódio ou instinto de sobrevivência puro e simples, são o combustível da política no Oriente Médio. Judeus e palestinos conhecem essa equação assim como o diretor, judeu-americano, Steven Spielberg, um daqueles que procuram soluções. Em seu novo filme, Munique (Munich, Estados Unidos, 2005), que estréia nacionalmente na sexta-feira, 27, o cineasta organiza o problema intrincado em pontos simples, valendo-se de expressões opostas para determinar os valores das variáveis. E faz isso ao mesmo tempo em que frustra aqueles que esperavam, a partir do anúncio no começo de 2005 de que filmaria a história do massacre de atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique, um épico de propaganda sionista. A brutalidade, violência e lapsos morais das etnias explodem com a pirotecnia habitual do cineasta, mas é nos diálogos que reside a alma do filme.

A história começa e termina com o atentado terrorista praticado pelo grupo Setembro Negro em 1972. Durante os jogos olímpicos daquele ano, um pelotão de radicais palestinos invadiu a Vila Olímpica de Munique, Alemanha, e tomou como reféns 11 atletas do time de Israel. Como esta foi a primeira Olimpíada televisionada ao vivo para todo o planeta, os detalhes mais horríveis foram acompanhados “de perto”, imprimindo nas mentes de modo indelével a imagem terrível do palestino na sacada do apartamento em que se aquartelara, fumando com o rosto oculto por uma máscara de esqui, ou o mórbido desfecho proporcionado pela incompetência da polícia alemã. Um tiroteio seguido de explosões que vitimou todos os reféns e vários seqüestradores.

Olho por olho – Mas esta é uma narrativa explorada à exaustão. O que motivou Spielberg foi o livro Vingança – a verdadeira história de um comando contraterrorista israelense, do jornalista e escritor húngaro George Jonas, lançado em 1998 e que deve chegar traduzido ao Brasil ainda este mês. Nele é mostrada a montagem e envio de comandos assassinos israelenses para eliminar todos os palestinos que participaram, mesmo que marginalmente, do atentado. Uma reação em cadeia acionada a partir do governo da ex-primeira ministra de Israel Golda Meir (Lynn Cohen) sob a alegação de “comprometimento de valores”. O que em termos israelenses significa “olho por olho, dente por dente”.

As lentes de Spielberg focam no líder de um comando de assassinos do Mossad, o serviço secreto israelense. Avner Kauffman – finamente interpretado pelo ator Eric Bana – tem a espada na mão, mas vacila entre a ação e o gesto por duvidar da justificativa para a violência a que foi incumbido. Junto deles estão, entre outros poucos, Steve (Daniel Craig) e Robert (Mathieu Kassovitz), todos recebendo ordens de Ephraim (Geoffrey Rush). Kauffman é moldado em Jonas, consultor do filme, e em uma das cenas o agente se defronta com um terrorista condenado à morte cuja máscara cai acidentalmente. O homem expõe seus motivos, fala do desespero de seu povo mostrando, sem justificar seus atos, que há um disparador por trás de toda violência. Spielberg disse à revista Time, sobre esta cena, que talvez o homem tivesse uma vida dupla, fosse razoável e civilizado também – o que deixou alguns setores pró-Israel em polvorosa. O diretor prosseguiu afirmando que é favorável à resposta forte de Tel-Aviv diante de ameaça, apesar de saber que não resolve nada, criando um moto perpétuo. A única solução possível, segundo ele, seria o diálogo sincero, aproximando-se assim da proposta feita pelo artista plástico e escritor franco-polonês Marek Halter no livro O bobo e os reis, de 1973. O próprio Halter serviu de intermediador entre lideranças israelenses e palestinas, algo impensável na época.

Em Munique, o roteiro de Tony Kushner, que também escreveu a minissérie Angels in America, de 2003, é repleto de diálogos significativos, com uma estrutura dramática complexa e de qualidade comandada por Spielberg como se manipulasse um joystick de videogame. O cineasta gastou US$ 70 milhões, metade de seu orçamento habitual, em três meses de explosões e perseguições pelas ruas de cidades como Paris, Nova York, Tel-Aviv e Beirute, floreios que retêm a atenção de um público viciado em seqüências rápidas. E que, ao final de duas horas e meia, nem percebeu que digeriu a complexa equação Oriente Médio, onde a ordem dos fatores não altera o produto. A violência bestial.