Duas crianças, de três e dois anos, uma mãe coragem caçada pela ditadura militar e um plano ousado: sequestrar um avião e comemorar, em Cuba, o aniversário da revolução de Fidel Castro. A fuga cinematográfica, em 31 de dezembro de 1969, é o ponto alto do livro que a professora Marília Guimarães, protagonista do episódio pouco conhecido da história recente do Brasil, lançará em agosto. Em Nesta terra, neste instante, ela conta a saga de um ano de clandestinidade na companhia de dois filhos pequenos até conquistar a liberdade, em 4 de janeiro de 1970. “Não tive o Marcelo e o Eduardo para ninguém cuidar. O pai já estava preso, não fazia sentido ficarem também sem a mãe”, conta Marília.

Na clandestinidade, Marília, Marcelo e Eduardo chegaram a passar fome. Para driblar os órgãos de repressão, mudaram diversas vezes de endereço. “Os torturadores do meu ex-marido e dos seus companheiros de organização não entendiam como eu sempre conseguia fugir. Acho que tive sorte”, avalia a professora.

Integrante da organização clandestina Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Marília se juntou a militantes da VAR-Palmares para o plano de fuga, tramado durante seis meses. Um dos pontos mais complicados era levar Marília e as crianças do Brasil para algum país vizinho. Tarefa cumprida, a professora e outros cinco companheiros de ação, já no Uruguai, tinham outro obstáculo a superar: entrar com armas no Caravelle da Cruzeiro do Sul. Na hora do embarque, uma ajuda inesperada. “Os meninos fizeram tanta bagunça no aeroporto que os guardas, com medo de eles correrem para a pista, nem fiscalizaram a bagagem. Involuntariamente, as crianças tiveram um papel fundamental no sequestro”, conta a professora.
A aventura não acabaria por aí. O avião só tinha autonomia para duas horas de vôo e levou quatro dias para chegar a Cuba. A história se espalhou e o sequestro ganhou manchetes nos jornais do mundo todo. O governo de Fidel concedeu abrigo aos fugitivos. Do grupo, além da família Guimarães, apenas duas pessoas estão vivas. Um dos companheiros de fuga, James Allen, morreu ao tentar voltar ao Brasil. “Ele foi morto pela Operação Condor. Quando fugimos, nossa intenção era voltar ao Brasil e partir para a guerrilha”, diz Marília.

A ex-militante mudou de idéia e ficou dez anos em Cuba, tema para um outro livro. “Quis contar primeiro a história de 1969, um ano fundamental na vida brasileira. Se juntasse tudo, precisaria escrever uma bíblia”, brinca. Com a anistia, a professora voltou ao Rio, produziu shows, virou dona de restaurante e, por fim, resolveu investir em informática. Agora prepara um portal cultural na Internet com o hoje filósofo Marcelo e o publicitário Eduardo. “Antes, para fazer uma revolução, a gente precisava de armas. Hoje, basta um disquete”, diz Marília.