Para quem era chamada de “bambu de cutucar estrela” na pequena cidade mineira de Carmo do Rio Claro, a possibilidade de virar, ela própria, uma estrela é uma virada e tanto. É o que acontece com a modelo que estreou no desfile da grife Layana Thomaz, deste Fashion Rio, Liliane Ortiz, 16 anos, 1,77 m de altura e 52 quilos. Ela diz que já fez “serviços domésticos em casa de família”, foi “pajem” de crianças (“Adoro pajear!”) e trabalhou na lavoura de café. Mas a garota comprida chamou a atenção da prima Aline Soares, dona de marca de roupas numa cidade próxima. Aline convidou Liliane para fazer uns desfiles e aconselhou-a a tentar a carreira. “Cê acredita que ela ficou na dúvida entre continuar na lavoura e entrar na moda?”, pergunta, incrédula, a prima. Para colher café entre 7h e 16h, Liliane ganhava R$ 70 por semana. Em cinco desfiles do Fashion Rio, vai ganhar algo em torno de R$ 1.500. Em Tóquio, participará de 31 desfiles no Chanel Tour, além de desfilar em Paris e Nova York. Histórias como a dela se multiplicam. Só os endereços de origem mudam.

De todo lugar – Paulo Bento, São José, Criciúma, Campo Grande, Belo Horizonte, Timbó, Curitiba, Bauru, Três Cachoeiras, Maringá, Olímpia, Santo Antônio do Planalto, Chapecó, Limeira, Concórdia, Itararé e Urubici. Dezessete cidades que são os berços de futuros rostos e corpos do mundo da moda. Alessandra, Ana Paula, Kátia, Juliana, Luiza, Martha, Caroline e Daniela são iniciantes da agência Ford e Débora, Bianca, Gabriela, Chaienny, Denise, Jéssica, Julhe, Bárbara e Ana Paula são as new faces (novos rostos) da agência Ten. Elas trocaram o conforto da casa dos pais para empoleirarem-se em modestos apartamentos na capital paulista. O desafio de encarar, aos 13, 14 ou 15 anos uma metrópole como São Paulo tem apenas uma razão de ser: vencer na vida de modelo. Além do sonho de virar top model, pertinente a cada dez entre dez adolescentes, essas meninas têm estatura, cintura, rosto de modelo e um futuro promissor no que depender do rígido estilo de vida imposto pelas agências.

O manual das repúblicas – sua maioria no bairro do Itaim, zona sul de São Paulo – é um só. Meninos e bebidas alcoólicas são proibidos. Chegar depois das 22h também. Mesmo se identificando, o fotógrafo de ISTOÉ foi impedido de entrar no edifício até que a booker (responsável pela agenda das meninas) conversou com o porteiro. Além das bookers, a nova família dessas meninas é composta por uma funcionária da agência, que mora com elas, os motoristas que as levam para os castings (seleção de modelos para desfiles e fotos) e que estão sempre por perto e uma ou outra mãe que vem para matar a saudade da filha.

Com cara de quartel militar feminino, as repúblicas de new faces têm dois ou três quartos, com dois beliches (ou quatro camas) cada um e colchões extras. “A carreira de modelo é como o serviço militar. As normas são rígidas, a dieta controlada, o preparo físico fundamental e a distância entre a vida profissional e a civil, enorme”, define a consultora de moda Costanza Pascolato. “Uma modelo, mesmo quando não está desfilando, não é uma civil comum, é aquele ou aquela que representa o ideal, uma pessoa digna de ser imitada”, completa Costanza. De trabalho menor e vulgar, a carreira transformou-se numa febre. “Hoje os pais querem que suas filhas sejam modelos. Como o futebol, é uma das profissões em que se ganha mais dinheiro em tão pouco tempo”, diz a autora do livro Como ser uma modelo de sucesso, da editora Jaboticaba.

Dream Tim – A cada edição do SPFW, 20 new faces escolhidas a dedo – e agora também dez modelos masculinos – têm seus cachês pagos pela operadora de celular TIM e desfilam para os estilistas do evento. Apelidados de Dream Tim, os novatos participam de um concurso cujo prêmio é participar de uma campanha da operadora. Jéssica Pauleto venceu no ano passado e fechou editoriais com a Elle Japão e Vogue Brasil, e campanhas para L’oreal, entre outras. Carol Cristóffole, 13 anos, deve emplacar neste ano. A modelo, de Curitiba, divide o quarto da república com mais três meninas e a mãe. Tathia Mattos, 18 anos, é outra menina selecionada para o Dream Tim. Ela nasceu em Realengo, na zona oeste do Rio, e logo a família mudou para São Luís do Maranhão, onde vive. Filha única, não tem dúvidas. “Quero ser a Gisele Bündchen do futuro. Ela já está com 20 e poucos anos e vai parar. Eu quero entrar no seu lugar.” O começo será na São Paulo Fashion Week. Com 1,76 m de altura e manequim 36, a morena já flertou com as passarelas. “No início, é muito teste e pouco trabalho. É duro receber um não.”

A convite da grife Walter Rodrigues, Tathia assistiu ao desfile do estilista no Fashion Rio e fez seu relato. “É tudo lindo, calmo, perfeito, maravilhoso. A música começa, as modelos desfilam calmamente… Adorei. As meninas ficaram incríveis com aqueles cabelos loucos, aquelas roupas loucas também”, disse. A mãe, Rose, decidiu acompanhar a filha e dar força. “É uma profissão bonita, mas não é só glamour. Tem muito ‘gavião’, os pais têm de dar apoio emocional e ficar de olho.” Fabiana Capra, 16 anos, é outra que dá duro para chegar lá. Mora em Marechal Hermes, na zona oeste do Rio, cursa o terceiro ano do ensino médio num colégio estadual e enfrenta bateria de testes para desfiles, na zona sul, a muitos quilômetros de sua casa.

Fabiana já desfilou em Nova York, onde morou em um pequeno apartamento com mais dez meninas, e em São Paulo, época em que 16 candidatas a modelo dividiam a mesma moradia. “Há muita ilusão. Todo mundo vê o lado fashion e acha que é uma moleza. Não é. Não ganho esse dinheiro todo. E tem muita competição.” Fabiana recebe “cachê c”, algo em torno de R$ 300 por desfile.