Depois da tempestade nem sempre vem a bonança. Bem o sabe o PT,
ainda atordoado com o tsunami Severino Cavalcanti (PP-PE), que afogou o partido do presidente Lula e seu governo em uma gigantesca crise política. Entre mortos e feridos, o PT ainda tenta entender o que provocou o maremoto e qual foi a sua intensidade. Tudo para tentar evitar uma nova tragédia no ano mais importante do governo, o que antecede a disputa eleitoral de 2006. Um dos petistas que estão à frente da árdua tarefa de juntar os destroços e tentar reconstruir a esfrangalhada rede de articulação política do governo petista é o sociólogo Sílvio Pereira, 42 anos, secretário-geral do PT, o segundo cargo na hierarquia partidária. Silvinho – como é chamado – reconhece que o partido que ajudou a fundar há 25 anos precisa perder a arrogância, aprender a compartilhar o poder e ainda evitar o perigo de ser uma legenda oficialista. Um dos principais personagens dos bastidores da política atual, esse mineiro de Cabo do Rio Claro, mas criado em Osasco (SP), diz que chegou o momento de o Planalto abrir seu fechado núcleo de decisão para os partidos aliados. Com um governo de coalizão, em seu terceiro ano de mandato, Lula pretende ganhar maior estabilidade política e garantir apoio ao seu projeto de reeleição. Mas ao mesmo tempo que prega a partilha do poder na segunda reforma ministerial de Lula, o PT também bate o pé pelo posto da coordenação política, hoje ocupado pelo ministro Aldo Rebelo (PCdoB).

ISTOÉ – Quais as lições que o PT tira da fragorosa derrota na eleição para a presidência da Câmara?
Sílvio Pereira –
Nosso novo desafio é fazer com que o governo saia do patamar
de aliança para o da coalizão. Que o partido saia do exclusivismo e passe a achar que há outros partidos com opiniões para dar. O PT ainda não incorporou a necessidade de compartilhar o poder. Isso vale para o Executivo e para o Parlamento. Daí vem essa coisa de que o PT é arrogante. É evidente que o PT precisa perder essa sua arrogância. Mas é uma arrogância proveniente da cultura de 25 anos de partido. O PT tem de perder seus preconceitos, o sectarismo, precisa saber governar de forma mais ampla.

ISTOÉ – O PT deverá perder espaço na reforma ministerial?
Pereira –
Primeiro precisamos saber quem está com o governo e quem não está. O PMDB, por exemplo, pode vir como partido institucional? Se não der, com quem podemos contar? A base aliada precisa estar no centro de decisão do governo. Não se trata apenas de ministérios para os partidos aliados. Eles reivindicam entrar para o núcleo de decisão do governo. O PT não será obstáculo para que o presidente Lula faça as mudanças necessárias para formar o governo de coalizão.

ISTOÉ – Mas o PT não reivindica também a articulação política, hoje nas
mãos do ministro Aldo Rebelo (PCdoB)?
Pereira –
Está na hora de mudar a articulação política. Estamos embaixo do telhado e está vazando água para tudo que é lado.

ISTOÉ – Os deputados reclamam da falta de atenção do governo.
Pereira –
Faz parte da cultura política deputado levar ao Executivo as suas reivindicações e faz parte da cultura do PT não enxergar isso como legítimo. É um erro. Para que a relação do governo com o Parlamento seja profícua e respeitosa, é necessário aparar arestas. Se algum obstáculo não está permitindo o melhor entrosamento na base política, esse obstáculo tem que ser removido.

ISTOÉ – Esse obstáculo é o ministro Aldo Rebelo?
Pereira –
Não se trata de nomes. É evidente que o PT, como maior partido,
quer ter a articulação política. Isso é tão legítimo quanto os partidos da base
aliada não quererem um governo exclusivamente petista. Fazendo uma
comparação com a guerra do Iraque, seria difícil o comando americano se subordinar ao comando inglês.

ISTOÉ – O PT criou uma imagem de autoritário.
Pereira –
Há um perigo que nos ronda, que é o do oficialismo. Temos que estar atentos a isso. A melhor coisa é fortalecer a democracia interna do partido. Mas ao mesmo tempo o PT deve cobrar maior unidade na ação. Não vamos tolerar que correntes políticas não respeitem o seu governo e o próprio partido. Há setores dentro do PT que vão ter que optar se ficam no partido ou procurar outro caminho. Neste ano vamos ter a eleição direta para presidente do PT e o 13º Encontro Nacional, no fim do ano. A partir daí, não será tolerado nenhum tipo de dissidência. Há deputados federais que não votam uma com o governo. Não é possível, alguma coisa está errada.

ISTOÉ – O deputado Virgílio Guimarães (MG) está na mira desse acerto de
contas interno? Ele vai ser punido por ter decidido lançar sua candidatura à presidência da Câmara?
Pereira –
Virgílio tem que ser punido porque desrespeitou a democracia interna do partido, os seus colegas da bancada, o governo. Acabou sendo um instrumento para o enfraquecimento dos partidos ao lançar sua candidatura avulsa. Ele infringiu uma questão sagrada no PT, que é a disciplina e a fidelidade partidária. Se cada um agir como quiser dentro do PT, isso aqui vai virar a casa-da-mãe-joana.

ISTOÉ – A política econômica é um dos principais alvos dentro do PT. O atual programa é bem incisivo contra o FMI, por exemplo. Vai haver ajustes?
Pereira –
O PT tem que estar aberto a novos caminhos, mais tolerante, menos arrogante, menos exclusivista, e precisa perder preconceitos. Na economia, por exemplo, instrumentos como ajuste fiscal e superávit não são de esquerda, de direita ou de centro. São instrumentos necessários para qualquer país moderno, que não tem nada a ver com política neoliberal, que propõe o Estado mínimo. O governo Lula mantém os mecanismos da política monetária, mas implanta um projeto que mantém a presença do Estado. Temos uma visão nova. Não se trata mais de acharmos que a política econômica do governo Lula é de transição, como se afirmava no início. O governo Lula adotou instrumentos de controle monetário que vieram para ficar, como o ajuste fiscal, o superávit, independentemente de acordo com o FMI. O que é preciso é dar ênfase a uma política de desenvolvimento. A política econômica carece de ousadia. Está havendo muito rigor com relação à política de juros altos e a meta de inflação.