Desde o começo de Justa, espetáculo que celebra os 20 anos da do grupo mineiro Odeon Companhia Teatral, vislumbra-se um Brasil que superou a discussão política baseada no espectro das posições esquerda e direita. O que deveria ser muito positivo.

Em cartaz no Sesc 24 de Maio, o espetáculo com dramaturgia de Newton Moreno encontra no meio de tanta desesperança uma trincheira vazia para olhar o País, mas sem deixar de ser alvejado por ele. A peça dirigida por Carlos Gradim se apoia no clima do cinema noir e do suspense policial para contar uma história sobre a investigação de um serial killer que tortura e mata políticos brasileiros corruptos. “A gente empresta esses elementos do cinema e do melodrama para acompanhar um Brasil em estado de pós-guerra, nos estertores da violência”, afirma o autor.

No palco, há uma variedade de personagens a se conhecer. O ator Rodolfo Vaz encarna um policial de Brasília que só estava aguardando a aposentadoria chegar para encerrar os trabalhos prestados à segurança pública. Isso até encontrarem o corpo de um deputado com marcas de violência, e com o estômago lotado de dinheiro da propina que recebeu no exercício de seu cargo. “Trata-se de um assassino que conhece muito bem os políticos, seus segredos, e os coloca em situação de privação, até que morram”, explica Moreno.

A investigação leva o policial para “O Colégio”, um prostíbulo nos arredores de Brasília, e lá que a atriz Yara de Novaes desempenha os papéis mais interessantes da trama, interpretando todas as funcionárias da casa, incluindo a prostituta Justa. “O grupo me procurou para escrever uma peça, inicialmente, sobre prostituição, mas o tema foi se desenvolvendo até chegar a este formato”, conta Moreno. “Trabalhar com Yara já era um desejo antigo.”

Para o autor, a agenda política brasileira não é objeto direto principal de abordagem, embora haja referências de escândalos recentes do Congresso ao Planalto, como malas de dinheiro e cortes no orçamento da merenda. Em Justa, é mais importante que as mulheres estejam no centro da história. “Apesar do investigador, um homem que narra, as prostitutas que mobilizam a trama, cada uma com sua história, e modo de pensar o próprio trabalho, considerado imoral e precário pela sociedade em geral”, explica o dramaturgo, que tem letra afiada para conceber mulheres em suas peças.

Autor de Agreste (2004), que retrata a vida de um casal de lavradores, Moreno vê no âmbito dessa criação uma vereda de transformação para suas personagens femininas. “Lá elas viviam o destino que lhes foi designado, não havia escolha. Então, Justa é uma antítese de Agreste, com mulheres que adolesceram e já não se contentam com o papel que a sociedade quis para elas.” Uma fortaleza do feminino com a fisionomia da deusa romana Justiça.

JUSTA

Sesc 24 de Maio. Teatro. R. 24 de Maio, 109, República, tel.: 3350-6300. 5ª a sáb., 21h; dom., 18h. R$ 12/R$ 40. Até 22/7.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.