Transformar as ideias do maior pintor surrealista da história em cenários reais seria, em qualquer contexto, uma tarefa para lá de complexa. Talvez seja por isso que a mostra que será inaugurada em maio, no Museu de Arte Brasileira FAAP, em São Paulo, tenha sido batizada com um título tão apropriado. Desafio Salvador Dalí: Uma Exposição Surreal apresenta a vida do artista espanhol por meio de reproduções das suas obras mais importantes, tecnologia e experiências interativas.

Para um artista que trabalhava com o subconsciente e adorava explorar o mundo dos sonhos, Dalí tinha o pé no chão em relação à organização de seu acervo. A maioria de seus quadros, vinculados à Fundação Gala-Salvador Dalí, estão concentrados em quatro instituições. São três na Espanha — nas residências em Portlligat e Figueres, e no Museu Reina Sofia, em Madri — e uma nos EUA, no Museu Dalí em St. Petersburg, na Flórida.

Diante da dificuldade cada vez maior de transportar essas obras para outros países, a Fundação Gala-Dalí criou um formato de exposição nova e bastante original, algo que transita entre a visitação tradicional a um museu e as mostras imersivas, onde as pinturas são projetadas em grandes telas. São Paulo será a primeira cidade a receber a novidade, batendo concorrentes como Dubai e Nova York. Realizada pela produtora Conteúdo Criativo, com concepção da empresa espanhola ArtDidaktik, Desafio Dalí é composta por seis áreas expositivas e mais de 100 conteúdos artísticos.

Uma trajetória divida em décadas: reproduções em telas gigantes de seus trabalhos mais expressivos (Crédito:Salvador Dalí, Fundación Gala-Salvador Dalí, VEGAP, Barcelona, 2024; AFP)

Abre com um grande corredor com oito salas, cada uma dedicada à produção de uma década. Com uma diferença: enquanto as pinturas originais têm medidas bastante reduzidas, aqui elas foram ampliadas e estão reproduzidas em paredes gigantes, fabricadas na Espanha, com uma tecnologia que simula a iluminação das galerias convencionais.

“É um conceito transformador”, afirma Paulo Bonfá, um dos responsáveis pela montagem da mostra no País, ao lado de Roberto Souza Leão. Para o produtor, Dalí era um visionário também na relação com o público. “Ele compreendeu desde cedo a importância de se tornar um personagem global. Sabia atrair a atenção da mídia, por isso estimulava encontros com grandes personalidades, como os Beatles, a rainha Elizabeth, o papa.”

Outra área da FAAP abriga a réplica do simples e charmoso ateliê em Portlligat, no litoral espanhol, onde o pintor produziu suas obras-primas mais famosas.

Há ainda um ambiente audiovisual composto por material exclusivo de Dalí como cineasta, ilustrador, cenógrafo, diretor de arte e publicitário.

Ao contrário de outros espaços culturais, o uso do celular aqui é estimulado: por meio de um aplicativo, o visitante pode acompanhar informações sobre as criações por meio de um podcast feito especialmente para o evento.

A mostra termina com trabalhos em 3D, área em que o pintor foi pioneiro, e promete uma “viagem de balão” ao interior de sua mente, auxiliada por meio de óculos de realidade virtual. Tentar imaginar o que se passava na cabeça de Dalí — esse deve ter sido o maior de todos os desafios.

(Divulgação)

Alma excêntrica
Uma vida que se confundia com a produção artística

Nascido em 1904, na cidade catalã de Figueres, Salvador Dalí foi uma das figuras mais populares e controversas do movimento surrealista no século XX.

Marcada por uma expressão artística totalmente única e uma personalidade extravagante, sua vida foi um labirinto de emoções e controvérsias.

Estudou na Escola de Belas Artes de San Fernando, em Madri, onde logo revelou um talento excepcional.
Envolveu-se com o movimento surrealista, ao lado de nomes como o cineasta Luis Buñuel — com quem co-dirigiu o filme Cão Andaluz — e André Breton, cujo manifesto que inspirou o movimento completa 100 anos em 2024.
Caracterizados por imagens oníricas e técnica primorosa, seus quadros exploram os abismos da psiquê humana.
No centro de sua vida estava Gala, sua musa e esposa, com quem viveu um intenso e tumultuado relacionamento.
Morreu em 1989 e foi enterrado em sua casa, em Figueres, onde funciona hoje o Museu Dalí. Para um artista cuja vida confundiu-se com a arte, nada mais adequado do que exibir a própria morte como uma obra a mais.