Em maio de 2011, o deputado federal Eduardo Cunha, então líder do PMDB, recebeu uma ligação da presidente Dilma Rousseff (PT) ordenando que ele orientasse seu partido contra as posições da bancada ruralista na votação do Código Florestal, projeto de autoria do ex-deputado Aldo Rebelo (PCdoB).

Com sua habitual finura, Dilma exigia que sua posição fosse acatada. Nos pouco mais de quinze metros que faltavam para chegar ao plenário da Câmara, Cunha tomou uma decisão que mudaria para sempre a relação do Legislativo com o Executivo: não seguir a orientação da presidente.

Ao comentar o ocorrido, o site Congresso em Foco afirmou: “Com a base rachada, o projeto de lei que cria o novo Código Florestal, de autoria do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), mostrou que, no Congresso, a força do Executivo dependerá do teor da matéria”.

Desde então, a Câmara passou a exercer uma autonomia de agenda nunca vista na história política do Brasil. Empossado presidente da Câmara em 2015, Eduardo Cunha passou a liderar o processo de impeachment contra Dilma, consolidando a predominância do Legislativo sobre o Executivo.

O período Michel Temer, do partido de Cunha, deve ser visto como de exceção, pois seu governo foi o mais semiparlamentarista de todos. Ali houve uma comunhão de propósitos que permitiu o avanço de uma extraordinária agenda de reformas.

A votação da Reforma Previdenciária é uma prova da evolução das relações institucionais entre os Poderes no Brasil. O Executivo ficou a reboque das negociações com os congressistas e teve que aceitar uma reforma feita pelo Legislativo. E ainda precisou liberar as emendas de parlamentares, sob pena de responder mais adiante por crime de responsabilidade. Afinal, as emendas orçamentárias de parlamentares são impositivas.

A tutela do Executivo sobre o processo legislativo brasileiro está terminando e deve incentivar inúmeras reflexões. Uma delas é a de que o absolutismo do presidente da República caminha para ser muito mais simbólico que real.

Em um artigo anterior, apontei a possibilidade de conflitos de agenda devido ao modelo de gestão política adotado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). Contudo, como vimos, a transformação do comportamento institucional do Legislativo começou bem antes da posse de Bolsonaro, sendo aprofundada pelo abandono do tradicional presidencialismo de coalizão.

Enfim, mesmo que o modelo seja restabelecido pela construção de uma maioria governista no Congresso, o sentimento autonomista do Legislativo permanecerá e as relações entre os poderes jamais serão as mesmas.

A tutela do Executivo sobre o Legislativo está no fim. O absolutismo do presidente logo será apenas simbólico