A pandemia do coronavírus tornou-se muito mais grave e assustadora do que se supôs há cerca de três meses. O mundo já superou surtos epidêmicos muito mais agressivos e preocupantes, a exemplo da gripe espanhola, que dizimou cinquenta milhões de pessoas (um terço da população da Terra à época) no início do século 20 — suas perniciosas aliadas eram as trincheiras de soldados na Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918). Isso não significa, no entanto, que o coronavírus, se não for imediatamente contido, não deixará um trágico rastro de doenças, sequelas e mortes. Na verdade, a Organização Mundial da Saúde demorou para decretar estado de pandemia, uma vez que ela já dava claros sinais desde janeiro. Temos de convir que vírus são vírus, é impossível neutralizá-los, mas a lentidão da OMS fez com que o globalizado mundo de hoje tivesse a expansão do Covid 19 potencializada.

NOVA YORQUE Aeroporto John Fitzgerald Kennedy, o quinto mais movimentado dos EUA: deserto total (Crédito: Kena Betancur / AFP)

Nos EUA, onde até quinta-feira 12 contabilizavam-se mil e duzentos casos, o presidente Donald Trump demorou para tomar efetivas decisões contra a infestação. Somente após a décima morte, Trump anunciou na semana passada a suspensão de viagens. Como tudo que envolve Trump, ou é inércia ou é solução draconiana. No caso em questão, ele seguiu pela segunda opção: fechou os aeroportos americanos para todo e qualquer avião advindo da União Europeia. Em discurso oficial, declarou que a Europa errou ao não ter limitado viagens provenientes da China. Ainda aproveitou para chamar o Covid-19 de “infecção horrível”. “Com medidas rápidas nós tivemos números de casos do vírus dramaticamente menores nos Estados Unidos do que há hoje na Europa”, disse Trump. A restrição por ele imposta vale para um mês e não inclui o Reino Unido. Até a quinta-feira, trinta e seis pessoas morreram.

Vírus até no Canadá

Se em meados do mês passado Trump tivesse desviado um pouco o olhar de seu próprio umbigo e olhado justamente para a Europa, os EUA já teriam ganho importantes providências. Isso fica claro ao se lembrar de todo o padecimento vivido na Itália — agora tem-se oitocentos e vinte e sete mortos, e o governo mal sabe o que fazer com os corpos. Devido ao alto índice de contágio do novo coronavírus, só agentes funerários especializados estão liberados a ingressar em locais onde ocorreram óbitos, fazendo com que cadáveres permaneçam confinados até que haja a remoção.

“Uma situação horrível e desagradável que nem consigo definir em palavras. Surreal”, disse Giancarlo Canepa, prefeito de Borghetto Santo Spirito, onde uma mulher ficou dois dias com o corpo do marido largado no chão de casa à espera de agentes funerários. Ainda que cidades italianas estejam, no momento, parecendo regiões fantasmas, o governo, mais uma vez, demorou para ter iniciativas. As restrições foram lentas e graduais e só eficazes a partir da terça-feira 10, quando anunciou-se a restrição de viagens. O país, com 60 milhões de habitantes, é o primeiro a entrar totalmente em quarentena, além de ser o número um no doentio ranking do coronavírus ao se falar de infectados: já são mais de doze mil pessoas.

Ponto mais que preocupante para a OMS é o número de idosos contaminados em todo o planeta, principalmente em lugares onde a expectativa de vida é alta. Na Itália, 22% do total da população tem mais de 65 anos. E esse é, justamente, o grupo com maior risco de morte. Já a Alemanha conta com 17 milhões de idosos em seu território. Em meio a isso, a primeira-ministra Angela Merkel não usou meias palavras. Teve a coragem de dizer à nação que cerca de 58 milhões dos alemães serão contaminados — número cinco vezes maior que a população de Portugal. Como se afirmou acima, vírus são vírus e, embora para o mal, fazem-se democráticos. Mesmo em países desenvolvidos como o Canadá, o primeiro-ministro, Justin Trudeau, está isolado depois que sua esposa, Sophie, fez o teste: positivo. De acordo com o governo, é uma prevenção, já que Trudeau não apresenta sintomas. Até o momento, um canadense morreu. Há um caos global que só mostra, mais uma vez, que, apesar dos inegáveis avanços da medicina, ainda somos reféns dos vírus.

A coragem de Merkel

Sean Gallup/Getty Images

A chanceler alemã, Angela Merkel, defendeu o Ministério da Saúde de seu país, apesar dos números assustadores de casos de contaminação — a ponto de ela ter a corgem de reconhecer que 70% da população será infectada: “Quando o vírus está solto e as pessoas não têm a sua imunidade preparada, uma alta porcentagem do povo sofrerá”