A cada tragédia nacional, emerge com mais clareza a tragédia em que se transformou a sociedade brasileira. E lá fomos nós de novo com o crime de Brumadinho. Louva-se a capacidade de solidariedade do povo, mas será que o brasileiro é tão solidário assim? É, mas não mais do que qualquer outro povo. Nas redes sociais, mensagens de lamento e apoio às vítimas, em uma demonstração narcísica de que o que importa é parecer ser bom, não necessariamente ser bom. Pega bem falar de Brumadinho no “insta” ou no “face”. Você dá uma de sensível para os amigos, antenado para o chefe e preocupado com o ambiente para os filhos. Depois passa para o outro post, provavelmente de algum conhecido posando com uma cerveja na mão em uma praia qualquer. Pronto, voltamos à perfeita e maravilhosa vida facebookeana e Brumadinho já ficou no passado.

Há a versão do indignado culpando “esses políticos aí”. Incluem de Jair Bolsonaro a Pedro Álvares Cabral nas suas pragas. Incapazes de separar joio do trigo, sentem-se como se não fossem parte da sociedade que escolheu “esses políticos aí”, contribuindo, portanto, para cristalizar a lama que há séculos asfixia a política nacional. É como se a política, essa malvada, fosse um ente separado, e não espelho da sociedade. Ou seja, de todos nós. Houve gente, inclusive, que desdenhou dos mortos, culpando-os de terem sofrido uma morte tão terrível porque votaram nos candidatos errados.

Teve quem aproveitasse o crime para promover seu negócio, travestindo o que chamou de “ensaio protesto”, seja lá o que for isso, em autopromoção. No dia seguinte ao rompimento da barragem, a marca de cosméticos Jendayi lançou a tal campanha em favor de Brumadinho usando modelos enlameados, um bebê inclusive. Em uma das fotos, uma modelo aparece em pose sensual em meio ao lamaçal. Patético. Três dias depois, eles retiraram o absurdo do ar.

A lama de Brumadinho parece uma metáfora dessa sociedade doente. Dessa sociedade que lamenta só para ficar bem na foto, que xinga a política e mantém no poder os mesmos representantes corruptos, que não deixa escapar a oportunidade de cometer suas pequenas corrupções sempre que possível, que deixa o lixo na praia, joga cigarro na mata, maltrata animais, corta o trânsito pelo acostamento. É possível juntar tudo isso e relacionar ao crime da barragem? Sim. Cada atitude narcísica, irresponsável, mal educada e ignorante que cometemos está na base dos pequenos, médios, grandes e absurdos desastres brasileiros. Enquanto não sairmos da lama, novos Brumadinhos, Marianas e destruições como a do Museu Nacional se sucederão.

Pega bem falar de Brumadinho no “insta” ou no “face”. Você dá uma de sensível para os seus amigos, antenado para
o chefe e preocupado com o ambiente para seus filhos