É uma ótima notícia que empresários, juristas, economistas e artistas tenham dado início a um movimento em defesa da democracia, reproduzindo ação idêntica que ocorreu em 1977. Na época, a iniciativa corajosa coube ao jurista Goffredo Silva Telles, que leu o documento que condenava o regime militar no dia 11 de agosto no Largo de São Francisco, diante da faculdade de Direito da USP, gesto que será reproduzido agora.

No final dos anos 1970, ainda era dúvida se a abertura duramente negociada restabeleceria o Estado de Direito, setores militares sonhavam com a eternização da repressão e os programas econômicos ufanistas e equivocados começavam a naufragar com a explosão da inflação e da dívida externa. Quarenta e cinco anos depois, um líder oportunista que cresceu nas franjas da derrocada militar ressuscitou a nostalgia do golpe e tenta levar o País de volta ao passado. E tem avançado de forma surpreendente.

A ameaça direta à democracia parte do bolsonarismo, daí que a nova “Carta aos brasileiros” corre o risco de ser capturada pelo petismo, já que Lula tem até o momento a maior probabilidade de vencer o pleito e, por isso, se beneficia do movimento pró-democracia. Por isso, os líderes da nova carta deveriam ter um cuidado extra para mostrar o caráter suprapartidário da nova iniciativa. A mobilização das Diretas-Já nos anos 1980 foi tão importante e eficiente exatamente por ter reunido amplos setores sociais, muitos com interesses antagônicos na época, e não ter caráter eleitoral.

O mesmo deveria ocorrer agora. Se a nova iniciativa virar um braço da campanha petista, que já se esmera para pregar o voto útil no primeiro turno e caracterizar Lula como o único nome capaz de defender a normalidade das instituições, a própria defesa da democracia sai enfraquecida. Isso daria mais combustível ao bolsonarismo para atacar as urnas eletrônicas e a Justiça, servindo ao interesse daqueles que querem minar a democracia.

É bom que o novo grupo seja liderado por nomes comprometidos com a Constituição e alheio ao jogo das legendas. É um ótimo sinal que tenha entre as lideranças juristas e ex-ministros do STF como Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Carlos Ayres Britto, Carlos Velloso e Eros Grau, além de Miguel Reale Jr. e os empresários Horácio Lafer Piva (Klabin), Walter Schalka (Suzano), Eduardo Vassimon (Votorantim), Pedro Passos e Guilherme Leal (Natura). Há ainda nomes representativos como os economistas Armínio Fraga e José Roberto Mendonça de Barros.

Será impossível atacar a nova “Carta aos brasileiros” se os seus interesses estiverem alinhados com a defesa da Constituição. A primeira reação do governismo, por meio do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, foi atacar os signatários ligados ao Itaú Unibanco (Roberto Setúbal e Candido Bracher), alegando que o presidente sofre retaliações por ter contrariado o interesse dos banqueiros. Nogueira diz que o mandatário favoreceu a população com a criação do PIX e um Banco Central independente, daí ter despertado inimigos. São deturpações, é claro. Se defender Bolsonaro significa mentir e atacar a democracia e a sociedade civil, então o novo movimento já começa a produzir os primeiros resultados positivos.