Nélida Piñon (1937-2022) acreditava na importância de deixar rastros. Rastros de existência, da própria criação, de palavras que se incorporam a um legado para os que ficam. Com 147 fragmentos que lembram a estrutura de um diário, a autora consagrada, esculpe uma extensa pluralidade de temas que flutuam pelos meandros da vida e da arte.

A escritora conjugou esmero com a consciência da passagem do tempo para criar uma obra que se afasta completamente da autocomiseração: “Luto para meus dias serem festivos. Só por estar viva, mesmo sem razão concreta, ergo a taça da ilusão”. Obra póstuma e inédita, Os rostos que tenho é, segundo o escritor e editor Rodrigo Lacerda, o “testamento literário” de Nélida Piñon.

A primeira mulher a se tornar presidente da ABL, no ano do seu I Centenário, sabia do papel social e literário que exercem os registros que deixamos, as memórias que nos empenhamos para preservar. Nélida mergulha em suas variadas faces, tecendo um balanço de vida coeso, complexo e multifacetado.

Em Os rostos que tenho, a escriba apresenta recortes de sua infância, na qual o fato de ser filha de duas culturas pautaram sua vida, mas sem jamais esquecer que seu avô lhe deu “A majestade da língua portuguesa”. Nela, Brasil e Espanha criam uma sinfonia que ecoa através de sua vida e de sua literatura. O leitor é convidado, ainda, a conhecer sua relação íntima com a palavra, com a criação, com a arte, com os seus contemporâneos. Em uma reflexão profunda sobre a finitude, reconhecemos a preciosidade de suas pegadas pelo mundo, pelos séculos, pelos gregos, pelo popular.

Os rostos que tenho é o testemunho vital de uma escritora que amava profundamente a literatura e que até seus últimos dias misturava as tintas das palavras sendo capaz de dar “Um corte de navalha sem piedade na carne do texto” em busca do “rosto da frase”, como ela mesma dizia. Nélida explicita os grandes eixos de sua obra, comenta alguns de seus livros mais importantes, fala da prática e da elaboração teórica da criação, da carreira cheia de desafios, glórias e amizades (com Clarice Lispector, García Márquez, Susan Sontag, Rubem Fonseca, entre muitas outras), do seu amor à vida, da morte, de Deus. O sagrado e o Profano reunidos em sua despedida e na vocação para ser dona do próprio destino.

Valendo-se de sua extraordinária memória, ainda que a julgasse “propícia a trair”, bem como da poética que está na base de sua literatura, Nélida Piñon revela ao público, neste livro póstumo, suas máscaras mais sinceras, os vários rostos que usou ao longo da vida.

O prefácio desta primeira edição, assinado pelo escritor – e editor de Nélida Piñon – Rodrigo Lacerda, deixa um recado ao leitor: “Haveria ainda muito a se falar sobre o testamento literário de Nélida Piñon e seus rostos mutantes, ou, como diz o capítulo 46, suas “máscaras”. É melhor, no entanto, deixar que os leitores se surpreendam com o livro. E se emocionem com as derradeiras perguntas que Nélida deixa no ar, vendo próximo o fim de uma vida inteira dedicada ao poder de invenção e reinvenção pelas palavras.”

Trajetória

Nascida no Rio de Janeiro em 1937, Nélida Piñon estreou em 1961 com o romance Guia-mapa de Gabriel Arcanjo. Ao longo da carreira, colaborou em publicações nacionais e estrangeiras, proferiu conferências em diversos países e foi traduzida para inúmeras línguas. Foi catedrática da Universidade de Miami e deu cursos em diversas universidades, entre elas Harvard, Columbia, Johns Hopkins e Georgetown. Vencedora dos mais prestigiosos prêmios de literatura no Brasil, ganhou no exterior os prêmios Juan Rulfo, do México; Jorge Isaacs, da Colômbia; Gabriela Mistral, do Chile; Rosalía de Castro e Menéndez Pelayo, da Espanha; e Vergílio Ferreira e Lusofonia, em Portugal.

Em 2005, pelo conjunto de sua obra, recebeu o importante Prêmio Príncipe de Astúrias. Foi doutora honoris causa das universidades Poitiers, Santiago de Compostela, Rutgers, Florida Atlantic, Montreal, UNAM e PUC-RS. Em 1989, foi eleita para a Academia Brasileira de Letras e, em 1996, por ocasião do centenário da ABL, tornou-se a primeira mulher a presidi-la. Em 2012, foi nomeada Embaixadora Ibero-Americana da Cultura. Faleceu em 2022, aos 85 anos, em Lisboa.

SERVIÇO

Título: OS ROSTOS QUE TENHO

Autora: Nélida Piñon

Páginas: 266 págs. |

Preço: R$ 59,90

Editora: Record | Grupo Editorial Record