Inclusão de profissionais autistas transforma rotinas corporativas

Campanha ‘Abril Azul’ alerta para a necessidade de maior compreensão do Transtorno do Espectro Autista por lideranças e funcionários

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Profissionais com autismo ganham espaço e empresas mudam rotina de trabalho para promover inclusão Foto: Divulgação

O Abril Azul foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de conscientizar a população sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), que abrange aproximadamente 1% da população mundial. Já o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) atinge entre 3% e 4%.

Além disso, condições como a dislexia, que dificulta a leitura, escrita e o aprendizado, e a síndrome de Tourette, responsável por tiques motores e vocais, também são classificadas como neurodiversas ou neurodivergentes, pois apresentam características neurológicas diferentes das consideradas típicas.

Essa parte da população enfrenta obstáculos para entrar no mercado de trabalho e avançar em suas carreiras. No entanto, as empresas começaram a reconhecer que a inclusão desse grupo é essencial e vantajosa para os negócios.

Raquel Boletti, CEO da NS Operações, empresa que atua desde a gestão de acessos até a liderança de equipes e planejamento logístico, tem entre seus desafios a coordenação de profissionais em cargos que exigem funções repetitivas e suscetíveis ao erro. Um funcionário do espectro autista, que tenha características como hiperfoco, poderia desempenhá-las com melhores resultados de produtividade.

“Nesses anos à frente da NS Operações, tenho diversas histórias fantásticas com funcionários neurodivergentes. Muitos deles me deram dicas ótimas e me auxiliaram em momentos difíceis, encontrando resolução para problemas complicadíssimos que eu não sabia mais como resolver. Trabalhar com um grande volume de pessoas nos acessos de um evento, por exemplo, exige muita atenção. Um profissional que tenha hiperfoco entre suas características consegue validar com mais assertividade diversos tipos de ingressos. Isso é apenas um exemplo simples, mas existem variadas situações”, conta a empresária.

Atualmente, a NS Operações conta com 154 funcionários, sendo 22 com características neurodiversas como TDAH, dislexia, transtorno bipolar ou discalculia. Deste número, cinco foram diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

“Nossa principal função dentro da NS é descobrir o talento de cada um. Tem pessoas que são comunicativas, outras são tímidas. Algumas possuem mais facilidade com tecnologias e assim por diante. Prestamos muita atenção em como a maioria dos staff resolvem os problemas que surgem, ou como eles respondem as dúvidas do público e isso chama muito nossa atenção na hora de delegar as funções”, conta a diretora de Comunicação Tuany Marafante.

Inclusão de profissionais autistas transforma rotinas corporativas

Além das cotas de inclusão previstas pela Lei 8213/91, que exige a contratação de pessoas com deficiência em empresas com mais de 100 funcionários, a contratação de colaboradores autistas é vista como uma ação humanitária, segundo os especialistas. “Ao contratar um profissional com TEA, os funcionários que têm familiares com a mesma condição passam a enxergar o mercado de trabalho de outra forma. Eles começam a acreditar em um futuro melhor”, explica a gestora de Operações Catharine Benício.

Jade Domingos, de 26 anos, conta que se sentia “acuada” por revelar o diagnóstico na entrevista e ser desclassificada antes mesmo de mostrar suas competências por conta do preconceito e da desinformação sobre o TEA. Em 2023 conseguiu uma oportunidade na NS Operações, onde trabalha como coordenadora. Ela se junta a um número crescente de pessoas autistas contratadas em empresas de diversos segmentos que buscam diversificar seus quadros. O movimento é acompanhado por adaptações no ambiente corporativo, que variam desde a implementação de intervalos no expediente até a permissão para que cães de assistência a autistas permaneçam no escritório.

“Comecei como staff de controle de acesso em um festival de música eletrônica, o Privilège Festival. Um mês depois, a NS reconheceu meu trabalho e me convidou a coordenar um dos maiores projetos da empresa, o Mundo Pixar. Geralmente as pessoas enxergam autistas como pessoas incapazes, infantilizadas e frágeis. Aqui, além de cuidar do bem estar da equipe e do bom funcionamento da operação, eu amadureci como profissional, tanto em questão de postura quanto de habilidades. Aprendi a falar melhor em público, a delegar funções de forma inteligente e me tornei uma pessoa muito mais organizada e ágil”, conta Jade.

Recém-diagnosticada com TEA, Ana Carolina Oliveira, de 28 anos, é mais uma funcionária da NS Operações que encontrou acolhimento dentro da empresa que trabalha há três anos. “Fico no auxílio da coordenação, onde organizo equipe, realizo o gerenciamento dos equipamentos utilizados pela equipe na operação, a manutenção das atividades efetuadas pelo time, entre outras coisas. Da mesma forma que prezo pelo bem estar de todos, sinto este mesmo cuidado das pessoas comigo. Sempre tive todo suporte dos meus superiores”, revela.

O Abril Azul é uma iniciativa fundamental que proporciona igualdade de possibilidades. É uma campanha importante, pois tem como objetivo promover a conscientização sobre o TEA, além de incentivar a inclusão e o respeito à diversidade no ambiente de trabalho. “Eu criei a NS Operações como uma forma de dar oportunidade a todas as pessoas, independente de quem elas sejam. No início da minha carreira, ninguém queria me contratar por motivos esdrúxulos. Seja pela cor de cabelo ou tatuagens. Já perdi trabalhos por ter feito muitas perguntas ao contratante”, explica Raquel.

“Conheci pessoas talentosas, mas subvalorizadas, como um porteiro poliglota e um faxineiro chef de cozinha, ambos com expertises desperdiçadas. E dentro do meu conceito de diversidade, eu penso que pessoas neurodiversas não precisam ser curadas, e sim empreendidas e integradas. Empresas, organizações e a sociedade tornam-se cada vez melhores quando incluem pessoas com capacidades diferentes. A diversidade não só aumenta o envolvimento com clientes e funcionários, como ajuda a impulsionar o sucesso dos negócios neste mundo em constante mudança”, finaliza.