Evangélico no STF não é ‘demanda das igrejas’, diz pastor sobre Messias

Para Valdinei Ferreira, exigência de vinculação é estratégia de lideranças para mostrar poder; ministro da AGU é um dos mais cotados

O presidente Lula (PT) ao lado de Jorge Messias, o evangélico ministro da AGU | Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Valdinei Ferreira, Valdinei Ferreira, pastor e professor de teologia da Faculdade da Igreja Presbiteriana Independente, em São Paulo, afirmou à IstoÉ que o aumento de crentes na composição do STF (Supremo Tribunal Federal) não é “demanda das igrejas”, mas uma “narrativa de líderes evangélicos” para estreitar suas relações com o poder.

Para ilustrar sua opinião, Ferreira lembrou da atuação de Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, para garantir que Jair Bolsonaro (PL) indicasse André Mendonça à sucessão do ministro Marco Aurélio Mello. Pastor da Igreja Presbiteriana de Pinheiros, ele é o único evangélico da composição atual da corte — e o segundo na história, depois de Antônio Martins Villas Boas, nomeado em 1957.

Ao documentário “Democracia em Vertigem”, Malafaia admitiu ter ameaçado “queimar” o ex-presidente e aliado no mundo evangélico se ele não indicasse Mendonça, a quem chamava de “terrivelmente evangélico”. “O jogo dessas lideranças, ao exigir um crente no STF, é mostrar poder e influência“, disse Ferreira.

O ministro André Mendonça: único evangélico na composição atual do Supremo

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Com menos ênfase por parte de pastores, bispos e apóstolos, a discussão sobre aumentar o espaço da religião na cúpula do Judiciário voltou à tona com o favoritismo do ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, fiel da Igreja Batista Cristã, a ganhar a indicação do presidente Lula (PT) para suceder Luís Roberto Barroso, que anunciou na última semana a antecipação de sua aposentadoria.

O advogado-geral da União é bem-quisto no Palácio do Planalto, mas enfrenta a concorrência do ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e tem na própria fé um argumento dos defensores de sua escolha — Lula tem dificuldade para ganhar votos dos crentes, que são 26,9% da população, conforme dados do último Censo.

Na avaliação de Ferreira, a vinculação não deve fazer parte dessa discussão. “Messias é um quadro técnico do governo, ligado à Igreja Batista e ao PT. Tornando-se ministro, as duas influências continuarão com ele, mas serão contrabalanceadas pelas exigências do cargo e pela influência dos pares“.

A surpresa mais citada é a do ministro Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula que, ungido pelo próprio ao tribunal, se alinhou ao entendimento evangélico, por exemplo, ao votar contra a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal — foi voto vencido, ao lado de Mendonça e de Kassio Nunes Marques, os indicados de Bolsonaro.

A ideia de enquadrar juízes do STF como ‘progressistas’ ou ‘conservadores cristãos’ não funciona aqui e faz parte de um esforço deliberado para classificar o Judiciário como um órgão contrário aos costumes cristão”, concluiu o pastor.

O elo evangélico

Ao longo do mandato, o advogado-geral da União se manteve como uma espécie de “ponte solitária” do governo com as lideranças e representou Lula nas três edições da Marcha Para Jesus realizadas em São Paulo. Em 2023, chegou a ser vaiado pelo público ao mencionar o chefe; em 2024, foi abraçado por Estevam Hernandes, apóstolo da Igreja Renascer em Cristo, organizador do evento e simpático à oposição.

Para Vinícius do Valle, ex-diretor do Observatório Evangélico e autor de “Entre a religião e o lulismo” (Recriar, 2019), o ministro da AGU não é uma liderança evangélica, mas um “evangélico comum, que vai ao templo do seu bairro”. Seu peso político no segmento, porém, vem da “boa circulação” entre as lideranças, rara no grupo dos políticos progressistas.

O pesquisador lembra que, embora pastor, Mendonça também não era um representante proeminente dos crentes à altura da indicação, mas teve o nome defendido publicamente por pastores de grandes denominações pela proximidade com o bolsonarismo. “Era muito difundido que o governo Bolsonaro era próximo dos evangélicos e dava espaço a eles nas políticas públicas e na alocação de cargos no Estado”, disse à IstoÉ.

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Em declarações recentes, o bispo Robson Rodovalho, fundador da Sara Nossa Terra e figura constante na convocação de manifestações da direita, disse que Messias merece “crédito e respeito” para a vaga na corte. Já Malafaia disse não ter “nada pessoal” contra o ministro.

A fé de Messias

O ministro é um fiel tradicional da Igreja Batista Cristã, denominação protestante que, em diferentes comunidades, é a terceira em membros no país, depois das igrejas Pentecostais e das Assembleias de Deus. As duas primeiras concentram a maior parte dos crentes brasileiros e tiveram lideranças mais diretamente associadas, nos últimos anos, ao conservadorismo.

Ao participar de uma entrevista da Fundação Perseu Abramo, braço acadêmico do PT, com o objetivo de divulgar a fé evangélica de políticos de esquerda, Messias fez as seguintes defesas:

“O cristão verdadeiro é o primeiro a defender a família. Eu cresci em um lar cristão, e a família é a base de tudo para que a gente possa exercer nossa fé”.

“O olhar de Cristo para a humanidade é um olhar de misericórdia”.

“Se olharmos o processo de expansão da evangelização no mundo, com igrejas brasileiras que se internacionalizaram, nós vamos ter um encontro desse fenômeno com os primeiros anos do governo Lula. Foi quando mais enviamos missionários para fora do Brasil”.

“Eu, como cristão, seguindo o ‘ide’, tenho toda a alegria do mundo de evangelizar para converter outras pessoas a Jesus, mas faço isso pela minha fé, não pelo cargo que exerço em qualquer posição do Estado brasileiro”.