RESUMO

• Maior destruição da vegetação nativa está no Oeste da Bahia, reflexo de políticas públicas dos governos Jaques Wagner e Rui Costa
• O agro, contemplado com o projeto desenvolvimentista petista, consome, no Oeste baiano, vazão de água equivalente a 9 vezes o consumo diário de uma cidade como São Paulo
• Alteração da capacidade de recarga hídrica pode afetar rios, riachos e córregos da bacia do Rio São Francisco
• Boa parte do volume consumido é de reservas subterrâneas do Aquífero Urucuia, maior fonte do Velho Chico

O presidente Lula tem bons argumentos para mostrar ao mundo que o desmatamento e queimadas na Amazônia eram gerados, em grande parte, pela desastrada gestão ambiental de seu antecessor. O número de alertas vem caindo desde que o petista assumiu seu terceiro mandado e, em março, atingiu 54% a menos que no mesmo período do ano passado. O problema agora é a devastação do cerrado, cujo bioma, frágil e desprotegido, vem sofrendo um crescente aumento de desmatamento graças a políticas desenvolvimentistas equivocadas que, se tiverem de ser interrompidas, o governo petista precisará cortar na própria carne: os maiores números de destruição da vegetação nativa do cerrado estão no Oeste da Bahia e foram impulsionados por políticas públicas nas gestões no governo baiano do líder do governo no Senado, Jaques Wagner, e do ministro da Casa Civil, Rui Costa.

Para facilitar a vida de grandes empreendedores do agronegócio, os dois flexibilizaram a legislação ambiental e deixaram ao sucessor, também do PT, um rastro de destruição estimado em quase um milhão de hectares de vegetação nativa suprimidas, além de entregarem ao agronegócio portarias de outorga em recursos hídricos equivalentes a uma vazão diária estimada em 17 bilhões de litros de água, uma ameaça aos recursos hídricos naturais da região.

Os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) na segunda semana de abril revelam que o eixo do desmatamento desloca-se continuamente para o bioma do cerrado, com um crescimento de 24% na comparação entre março deste ano e março do ano passado.

O sistema conhecido como Deter, que faz o levantamento da cobertura vegetal em tempo real por satélite, emitiu alertas que somam 523,72 quilômetros quadrados devastados, o mais alto do mês nos últimos seis anos.
Em março do ano passado, foram registrados alertas equivalentes a 423,24 quilômetros quadrados.
Em todo o ano de 2023, foram 7.828 quilômetros quadrados devastados, 43% a mais do que 2022, que atingiu uma área de 5.463 quilômetros quadrados.

As projeções do próprio governo indicam que neste ano o desmatamento baterá um recorde ainda maior porque nos estados que mais desmatam (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, na região conhecida como Matopiba) o agronegócio tem um grande volume de autorizações represadas.

Na Bahia e Piauí, por exemplo, os empreendimentos rurais seguraram cerca de 50% das autorizações já concedidas, sem falar no desmate ilegal, sobre o qual o combate é pífio se comparado com outros biomas.

Erros: Rui Costa deu sequência à arriscada política desenvolvimentista de Jaques Wagner, de abrir o Oeste da Bahia para o agro (Crédito:Ton Molina)

Produção de grãos

“A estratégia do governo federal é preservar a Amazônia, que tem um apelo internacional grande, e usar o cerrado como o bioma do sacrifício para a produção de grãos”, diz a bióloga e pesquisadora Margareth Maia, do Instituto Mãos da Terra (Imaterra), responsável pelo levantamento que identificou os altos índices de desmatamento no Oeste da Bahia.

Ela analisou 5.126 portarias de Autorização de Supressão de Vegetação Nativa (ASV) entre setembro de 2007 e junho de 2021 em todo o estado, num total de 992.587 hectares, das quais 80% são áreas de exploração de produtos agrícolas, basicamente soja e algodão, nas bacias dos rios Grande e Correntes, no Oeste baiano.

“O estado da Bahia foi pioneiro na preparação de terreno para que o agronegócio pudesse agir em todo o cerrado brasileiro sem entrar na ilegalidade. É desmatamento autorizado. Fragilizaram a legislação tornando o órgão ambiental como um cartório na liberação de ASV. Foi uma política de Estado em localidades habitadas por povos tradicionais, sem que o arrojado projeto de produção alterasse os indicadores socioeconômicos de uma região que continua pobre”, afirma Maia.

Com o apoio da Universidade Federal da Bahia e outras duas ONGs, a WWF-Brasil e o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), o levantamento analisou as ASV em 26 estabelecimentos rurais no Oeste baiano, concluindo que houve uma série de irregularidades nas concessões, entre elas o impacto em pelo menos 30 cursos d’água que devem ser afetados pelo desmatamento.

O estudo alerta que o desmatamento alcançou áreas de preservação e que alteração da capacidade de recarga hídrica pode afetar rios, riachos e córregos da bacia do Rio São Francisco, o Velho Chico dos nordestinos.

Junto com as ASV, incluindo aí a região do Rio Carinhanha, o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) liberou, entre 2007 e 2022, 835 portarias de outorgas hídricas, permitindo que os empreendimentos se apropriassem de uma vazão diária estimada em 17 bilhões de litros de água por dia.

Desse volume, 3,93 bilhões de litros são de reservas subterrâneas do Aquífero Urucuia, maior fonte de suprimento do São Francisco. Outros 13,07 bilhões de litros saem da superfície dos rios, o que, pelo volume, também comprometem a manutenção da vazão dos cursos d’água da região.

O agro consome, no Oeste baiano, uma vazão de água equivalente a nove vezes o consumo diário de uma cidade como São Paulo.

Contradições

A opção do governo baiano nas gestões petistas tem duas contradições:
uma estadual, já que boa parte do PT é de ambientalistas baianos, como a ex-mulher de Jaques Wagner, Bete Wagner, ex-vice-prefeita de Salvador e ex-vereadora que coordenou uma frente parlamentar de apoio aos estudos, questionando as políticas adotadas;
a outra está no núcleo do governo Lula, que se escuda na habilidade política de seu líder no Senado, Jaques Wagner, e no ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. Foi na gestão deles que o Inema e a Secretaria de Meio Ambiente da Bahia, ocupada por um enteado de Wagner, Eduardo Sodré, executaram uma mudança na legislação, facilitando o agronegócio de exportação na área.

O governo agora estuda programas para conter o avanço do desmatamento no cerrado e já chamou os governadores da região para deflagrarem um projeto de preservação.