Afuá, cidade paraense localizada na foz do Rio Amazonas e formada por palafitas construídas sobre as águas, funciona em seu próprio ritmo. Como não é permitida a circulação de veículos motorizados, as vias são repletas de bicicletas e “bicitaxis” personalizados. Até a ambulância é movida a pedaladas. O único barulho de motor ouvido por lá é o dos barcos, mas uma visita recente do wakeboarder Pedro Caldas, de 22 anos, trouxe novos sons ao município, dono de apelidos como “Veneza Marajoara”.

Nos canais que rodeiam a pequena cidade do Arquipélago de Marajó, povoada por cerca de 40 mil pessoas, o jovem atleta realizou um feito inédito com a ajuda dos moradores do local. Foi o primeiro wakeboarder a efetuar a manobra “double front roll”, que consiste em dois giros completos para frente, fora de um “cable park”, estrutura própria para a prática do esporte onde um sistema de torres interligadas por cabos puxa os atletas ao longo de um circuito.

Em Afuá, Pedro Caldas foi puxado por um “winch”, um guincho equipado com roldanas e fixado em um ponto fora d’água para esticar e recolher a corda pela qual o wakeborder é conduzido. Existem winches movidos à gasolina, o que seria prejudicial a um lugar como a “Veneza marajoara”, por isso foi utilizado um modelo elétrico. Assim, Caldas percorreu diferentes trajetos com sua prancha, deslizou por pontes e, em uma rampa construída próxima à Muralha, árvore gigante e ponto turístico da região, acertou a manobra.

“Em uma comparação com o skate, o cable é a pista do skate. O winch seria como o skatista ir para rua. Em vez de andar para o local, a gente está se adaptando ao local”, explica Caldas ao Estadão. A dificuldade de encaixar um “double front roll” e outras manobras em uma situação como essa é maior do que em um cable park, pois a natureza oferece seus próprios obstáculos.

“Uma situação dessa, é difícil conseguir fazer, ter uma rampa do tamanho certo, a puxada do cabo te levar pra cima o suficiente para fazer a manobra e etc… Fora a dificuldade de entrar duas vezes certinho no eixo do flip sem bater na corda, enxergar o pouso, o nível técnico da coisa e outros fatores que influenciam. A correnteza do rio muda a posição da rampa, tem mais variantes, torna a manobra mais difícil”, afirma.

Além de contar com a estrutura fornecida por seus patrocinadores para levantar rampas e ser puxado pelo Rio Amazonas, Caldas se apoiou no conhecimento dos moradores. O auxílio foi desde a subida em uma árvore para amarrar cordas até informações sobre os níveis do rio.

“A natureza dita o dia do pessoal, para a gente foi a mesma coisa. Tinha uma placa do exército sobre os horários das marés, e não estava tão certa. Você perguntava para algum morador e ele dizia quando iria subir, e subia mesmo”, afirmou. “Sem eles, não seria possível a manobra. Mostrar o local, levar a gente, construir a rampa, amarrar a corda lá em cima. Teve um cara que subiu a árvore, subiu e desceu e como se não fosse nada. Foi uma das vezes que eu enxerguei mais paixão em pessoas que não praticavam o esporte”, completou.

O WAKEBOARD NO BRASIL

Pedro Caldas acredita que a paixão despertada em Afuá pode ser estimulada também no resto do Brasil, dotado de boas condições para a prática do wakeboard, que ainda não goza de popularidade por aqui, embora tenha um circuito nacional. “Tem muita água no Brasil, tá sempre calor, não passa por vários problemas que os países europeus passam. O potencial está aí, mas não foi muito bem explorado. Não temos apoio. Tem vários atletas de nível bom, que se tiverem oportunidade e acesso como eu tenho, poderiam criar seu nome. Tive chance de poder sair, conhecer lugares, entender o esporte de forma mais profunda”.

O wakeboarder teve a oportunidade de começar cedo no esporte, aos 5 anos, praticando no Naga, primeiro “cable park” do país, erguido em 2009 por seu pai, Pedro Paulo Caldas, em Jaguariúna-SP, e começou a competir ainda criança. Quanto tinha 12 anos, ajudou o jovem Neymar, na época com 20 anos e atacante do Santos, a ser introduzido ao esporte durante uma visita à cidade do interior paulista.

Campeão mundial júnior em 2019, Pedro Caldas passa longas temporadas fora do Brasil competindo. Atualmente, está na Tailândia se preparando para os próximos desafios. Viver o wakeboard, contudo, vai além das competições. Alcançar feitos inéditos, efetuar manobras em lugares exóticos e todas as aventuras possíveis de se viver com a prancha de wake são tão importantes quanto um título para os praticantes.

“Ter seu estilo, ser criativo, isso traz respeito dentro da cena. O wake tem bastante competição, sou atleta de competição. Mas, como skate, como surfe, é mais uma forma de expressão, não é igual futebol, a bola entrou no gol e é gol. É muito relativo. Coloque uma prancha embaixo do meu pé e eu estou me divertindo. Não estou fazendo para arremessar a bola perfeitamente no aro. Eu estou fazendo porque eu quero, porque sou eu, eu me divirto. Essa é a forma de expressão que me deixou apaixonado por esse tipo de esporte”, afirma Caldas.