O desaparecimento do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira no último fim de semana no Vale do Javari, no Amazonas, não é apenas motivo de alarme para o drama humano e para a violência crescente que cerca a exploração predatória e ilegal da região. Pode mudar o destino do governo Bolsonaro e alterar a forma como o mundo se relaciona com o Brasil.

Se o sumiço for sinal de fato de um crime contra a vida dos dois profissionais, eles se tornarão símbolos iguais a Chico Mendes, cujo assassinato em 1988 mudou a percepção sobre a administração da floresta e turbinou a defesa do desenvolvimento sustentável, tese que triunfou na ECO-92, no Rio.

Bolsonaro sonhava voltar a região ao status defendido pelos militares nos anos 1970: a floresta é um patrimônio estratégico brasileiro que deve ser explorado comercialmente o mais rapidamente possível, nem que isso implique na sua degradação. Os fardados sempre se preocuparam com a “ameaça estrangeira” na região e nunca deram bola para os riscos climáticos. Bolsonaro abraçou a tese para patrocinar uma terra sem lei cheia de gângsteres que não respeitam a legislação e procuram enriquecer rapidamente dilapidando o meio ambiente.

O Comando Militar da Amazônia, que não foi capaz de enfrentar minimamente o avanço da bandidagem florestal e as queimadas que chocaram o mundo, chegou a emitir uma nota oficial exaltando sua própria competência, mas dizendo que não poderia ajudar os desaparecidos porque aguardava ordens do “escalão superior”. A mensagem se espalhou nas redes sociais e mostrou a que ponto o Estado capturado pelo bolsonarismo ignora a realidade.

O próprio mandatário, que já debochou das vítimas da pandemia, exalta a violência policial e patrocina o armamento descontrolado que abastece as milícias, saiu a público para criticar os dois profissionais. Chamou a atividade deles de “aventura” e disse que atuaram de forma “não recomendável”. É um escárnio. Funcionário licenciado da Funai, Bruno Pereira vinha recebendo ameaças de pescadores locais. E as autoridades? A missionária americana Dorothy Stang foi executada em 2005 também após receber ameaças, do mesmo tipo de gente que atualmente é celebrada pelo bolsonarismo na região. Ela também virou um símbolo internacional e acelerou mudanças no tratamento dos problemas e habitantes locais.

Um ex-ministro bolsonarista, Ricardo Salles, é inclusive investigado por acobertar e se associar a madeireiros ilegais que extraíam árvores nobres para vender clandestinamente nos EUA. Foi a polícia americana que advertiu as autoridades brasileiras, o que mostra o nível de descontrole oficial. Mas Bolsonaro foi além. Também investiu contra a cultura dos índios e achou conveniente que as tribos sejam ameaçadas para o avanço dos garimpeiros e grileiros.

Tudo isso se choca com o resto do planeta. A comunidade internacional se esforça para evitar as consequências da mudança climática e corre para viabilizar a transição energética verde, área em que o Brasil está atrasado ou em simples negação. Isso vai atrasar ainda mais o desenvolvimento e a diminuição da pobreza. Paulo Guedes tenta vender um País imaginário que está hábil para se integrar à OCDE e ao mundo desenvolvido. Na prática, patrocina um regime regressista que ameaça devolver o Brasil ao século XIX.

O sumiço de Dom Phillips e Bruno Pereira os torna símbolos de um País que não respeita a imprensa e os direitos humanos, ataca seus melhores servidores públicos, destrói seu patrimônio ambiental e protege a bandidagem. Como não é isso que a grande maioria da população deseja, por óbvio, esse crime potencial se tornará na verdade o símbolo póstumo do governo Bolsonaro e tudo o que ele representa.