Bolsonaro e Malafaia são protagonistas de ascensão evangélica em documentário

'Apocalipse nos Trópicos', de Petra Costa, chega aos cinemas brasileiros

Bolsonaro
Silas Malafaia e Jair Bolsonaro Foto: REUTERS/Jean Carniel

“Apocalipse nos Trópicos”, que estreia nesta quinta-feira, 3, nos cinemas brasileiros, elege o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o pastor protestante Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, como protagonistas da ascensão dos evangélicos na política brasileira.

Em uma década e meia de amizade entre os dois, o que revelam no filme, evangélicos passaram de 21,6% a 26,9% da população brasileira — a religião que mais cresceu, conforme dados do Censo Demográfico de 2022 –, chegaram a 219 cadeiras no Congresso e ganharam representação no STF (Supremo Tribunal Federal), com o ministro André Mendonça.

Retrato alinhado

Responsável por “Democracia em Vertigem” (disponível na Netflix), documentário indicado ao Oscar que chama de golpe o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a diretora Petra Costa não esconde sua posição à esquerda e, a exemplo de outros atores do campo, observa essa expansão de forma crítica.

As próprias escolhas de representação do movimento expressam esse discurso. Bolsonaro é católico, mas se aproximou dos crentes por meio da esposa, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), em movimento mais político do que espiritual. Malafaia, por sua vez, é reconhecidamente mais radical do que outros pastores, com um histórico de declarações verborrágicas e financiamento de manifestações.

A própria Vitória em Cristo é uma instituição pentecostal, apenas uma entre as denominações da religião — os 47,4 milhões de evangélicos brasileiros se dividem ainda em igrejas evangélicas históricas, adventistas, anglicanas, batistas, presbiterianas etc –, e tem cerca de 110 dos mais de 100 mil templos do país.

Segundo os pesquisadores Juliano Spyer, Guilherme Damasceno e Raphael Kalil, no livro “Crentes: pequeno manual sobre um grande fenômeno” (Record, 2025), a igreja de Malafaia é um dos ministérios desmembrados da tradicional Assembleia de Deus, que teve papel preponderante na “expansão da fé evangélica pelo país” e tem fiéis que “atribuem grande valor às manifestações espirituais, como milagres, curas e êxtases”.

Em “Apocalipse nos Trópicos”, o pastor sobe ao púlpito para convocar os ouvintes a “ocuparem espaços de poder” e prega contra o “marxismo cultural ensinado nas escolas”. No carro, diz à câmera de Petra que outras lideranças “se alienaram” na “montanha da religião”, ao contrário do que considera ter feito.

O rito, portanto, não é unânime. Outros pastores optam pela neutralidade. Uma pesquisa divulgada pelo Datafolha em meados de 2024 mostrou que 55% dos evangélicos que vivem em São Paulo consideram “pouco” ou “nada” importante o apoio das lideranças para a definição de seu voto. No mesmo levantamento, 78% responderam que acreditar em Deus é decisivo para a escolha.

Há muitos ‘evangélicos culturais’, pessoas que se identificam com referências de literatura, podcasts e influências digitais cristãs, seguem os princípios e acompanham pregações virtuais, mas não sentem a necessidade de se associar a uma instituição”, disse à IstoÉ o antropólogo Juliano Spyer, autor do citado “Crentes”.

Após a exibição do longa-metragem na capital paulista, Petra justificou que Malafaia e Bolsonaro eram acessíveis e dispostos a conceder entrevistas no período de filmagem.

Bolsonaro e Malafaia são protagonistas de ascensão evangélica em documentário

Petra Costa, diretora de ‘Apocalipse nos Trópicos’

Bolsonaro e Lula sob o crivo crente

Em 110 minutos de filme, Bolsonaro passa de deputado do baixo clero a ex-presidente da República. No período de maior poder, segue aconselhado por Malafaia, que revela ao documentário ter ameaçado “queimar” o amigo no mundo evangélico se ele não confirmasse a indicação de André Mendonça, a quem chamava de “terrivelmente evangélico”, ao STF.

Conforme a produção, o aconselhamento guiou o chefe do Executivo durante a pandemia de covid-19, quando ele entoou discursos contra a vacinação e o país registrou mais de 716 mil mortes. O documentário associa o negacionismo de Bolsonaro à orientação cristã e considera que o ex-presidente trocou a compra de vacinas por “orações e promessas”.

Evangélicos dedicam oração ao presidente Lula (PT) após sanção de lei que cria Dia Nacional da Música Evangélica | Ricardo Stuckert / PR

Evangélicos dedicam oração ao presidente Lula (PT) após sanção de lei que cria Dia Nacional da Música Evangélica

Ainda há espaço para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que venceu as eleições de 2022 mesmo com minoria dos votos dos crentes. Em entrevista à diretora, o petista reconhece que “ninguém trabalhou como ele”, referindo-se ao adversário, o eleitorado evangélico. Na campanha, Lula publicou uma carta aos religiosos, foi a cultos e se reuniu com pastores, episódios retratados no longa-metragem. Desde que retornou ao Palácio do Planalto, no entanto, fez movimentos limitados em direção a esse segmento da população.

“Apocalipse nos Trópicos” termina com a invasão às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023. Ao final da exibição, Petra vislumbrou dois novos filmes, um dedicado à influência das “big techs” na política e outro ao “projeto militar de poder”, em referência à suposta tentativa de golpe de Estado que está sob julgamento no Supremo. “Espero que sejam feitos”, concluiu.