26/11/2008 - 10:00
Entrevista
Ciro Nogueira
"Quero um legislativo de pé e independente"
O deputado Ciro Nogueira arregaça a manga para ser presidente da Câmara e diz que vai mudar a relação com o Executivo
Por Cláudio Camargo e Luciano Suassuna
Na Segunda Secretaria da Câmara dos Deputados, cuja principal atribuição é providenciar passaporte diplomático para os parlamentares, circulam aqueles rostos que você só vê se estiver ligado na TV Câmara. Mas não são os pedidos de visto que lotam este gabinete localizado no subsolo do indefectível Salão Verde. A sala onde despacha o deputado Ciro Nogueira vive cheia por oferecer livre trânsito aos colegas que se julgam excluídos do núcleo de decisões da Casa. É um espaço recortado por divisórias, pronto a abrigar, em seus recônditos, o que a imprensa vulgarmente chama de "baixo clero". Numa sala, por exemplo, sucos, pães e frutas frescas reconfortam os que perderam a hora do almoço ou desembarcaram em Brasília sem a refeição do avião. Mas é num canto, anexo à sala de reuniões, constituído apenas por uma mesa, duas cadeiras e um aparelho de telefone, que Ciro Nogueira mostra o que o caracteriza: o calor humano e a conversa ao pé do ouvido.
– Ciro, preciso de um minutinho – pede o deputado da Bahia, agitando o indicador sobre os lábios. – Agora mesmo, meu irmão. – Ciro, você vê aquele negócio pra mim – diz o deputado do Mato Grosso. – Na hora, meu irmão.
Com 40 anos completados na sexta-feira 21, o deputado do PP do Piauí é novo, mas não é novato. Um tio foi deputado pelo Ceará e seu pai se elegeu pelo Piauí. Passou a infância e adolescência em Brasília, até ser aprovado no vestibular para direito na PUC do Rio de Janeiro.
Formado, voou para Teresina, onde o sogro, patriarca da mais tradicional família de políticos do Estado, precisava de um novo herdeiro. Ele tinha iniciado seu segundo casamento, que lhe deu uma enteada, hoje prestes a se formar em medicina, e duas filhas, que logo vão entrar na adolescência. Filiado ao antigo PFL, está no quarto mandato e, pelo oitavo ano consecutivo, ocupa um dos sete lugares da Mesa Diretora da Câmara. Agora quer virar presidente. Nesta entrevista à ISTOÉ, a primeira em que assume publicamente a candidatura, explica por que:
Ciro Nogueira – Estou no quarto mandato e os deputados hoje têm as mesmas frustrações que eu tinha há 14 anos.
Ciro – Ver um Parlamento com uma imagem cada vez mais comprometida e não participar do processo legislativo. Na legislatura passada, tivemos o Mensalão, cassamos deputados, mas agora o momento é muito pior.
Ciro – Estamos espremidos feito um sanduíche, entre o Executivo e o Judiciário, que estão legislando. O Executivo com as medidas provisórias e o Judiciário interpretando a Constituição como ele acha que deve ser. Isso precisa mudar. O Legislativo deve ser mais independente. Se o presidente da Câmara solicitar um cargo ao presidente da República, isso é uma nota de rodapé. Agora, se o ministro Gilmar Mendes (presidente do STF) pedisse um cargo ao Lula seria manchete. Não existe mais a separação entre o Executivo e o Legislativo e é isso que queremos combater. O Judiciário se aproveitou de temas como o nepotismo e a fidelidade partidária para ficar bem com a sociedade.
Ciro – O presidente Chinaglia fez bem em enfrentar o Judiciário e determinar parlamenque qualquer medida será tomada depois de o caso ser julgado em última instância. A decisão foi correta, mas tardia. Precisávamos de um presidente mais ativo. Chegar ao ponto de dizer que eles têm que legislar porque o Congresso está parado é a mesma coisa que passarmos uma lei acabando com todos os processos que estão engavetados na Justiça. Mas é verdade que o STF está fazendo coisas que poderíamos ter feito antes. Temos que votar e não permitir que o Judiciário usurpe nosso papel de legislar.
Ciro – O Congresso tem se agachado por conta de uma relação muito promíscua com o Executivo. Quero um Legislativo de pé e independente.
Ciro – Os líderes que se tornam presidente são candidatos apenas um ou dois meses antes da eleição. São candidaturas que surgem das cúpulas, do consenso de um grupo pequeno. Estou tentando o caminho inverso, discutindo com os parlamentares. Reunimos deputados de diversos partidos.
Ciro – Eu chamo de maioria. A nomenclatura "baixo clero" é um instrumento de um pequeno grupo da Casa para denegrir a maioria dos deputados. Chamam de baixo clero aqueles que lutam para a liberação de emendas orçamentárias, levar um calçamento, uma água para as pessoas que estão necessitando. O alto clero são as pessoas que se utilizam da Câmara para conseguir a diretoria financeira de uma estatal, trocar a votação de uma emenda por uma nomeação. São essas coisas que precisamos passar a limpo.
Ciro – Esse tem sido o ponto usado por aqueles que querem me atingir. Só que as pessoas sabem das diferenças. O Severino é meu amigo, uma pessoa que eu quero bem, mas somos diferentes. O Severino é de outra formação, de outra geração, tem outras idéias. Não sou pior nem melhor do que ele, sou diferente. Ele falhou gravemente ao não separar o Executivo do Legislativo.
Ciro – Isso foi antes. Ele não cobrou propina durante o mandato de presidente. O que vejo como grande falha dele foi não dar a independência que o Legislativo merece.
Ciro – Vou dar um exemplo. Tentou-se resolver a eleição com o lançamento do Michel Temer (PMDB-SP). Mas não se viu o Michel lançar uma proposta para a Casa. A idéia é ganhar a eleição através de um acordo de cúpula. Como surgiram outros candidatos, agora o próprio Michel fala em Orçamento impositivo, uma proposta nossa.
Ciro – Isso é um desejo dos parlamentares. Hoje, com o Orçamento autorizativo, os parlamentares são obrigados a votar algumas matérias por conta da liberação de verbas. Queremos um Orçamento impositivo. Isso vale para 1% do Orçamento relativo às emendas individuais. Dá uns R$ 6 bilhões. No ano passado, 90% foram liberados. Ninguém nunca colocou o Orçamento impositivo em prática nem se comprometeu como estamos fazendo agora. Queremos parlamentares que votem por sua convicção, e isso não acontece hoje.
Ciro – A maioria dos parlamentares não tem acesso às indicações. É a pequena elite da Casa que faz a grande maioria das indicações. É legítimo que os deputados busquem verbas para seus municípios, seus Estados. Venho de um lugar pobre, onde há pessoas com fome e sem água. Buscar recursos para atender a essas pessoas é mais legítimo do que reunir um grupo de parlamentares para indicar a diretoria financeira de Furnas, por exemplo.
Ciro – Grande parte dos parlamentares não participa das decisões da Casa. Não tem acesso às matérias que são votadas. Por outro lado, pagamos o preço da transparência. Todos sabem que os deputados têm uma verba para telefone, por exemplo, mas não sabem que aquilo é um teto. Quem sabe quanto um ministro gasta com telefone?
Ciro – O presidente da Câmara não vota por si só ou pelo partido. Precisa ter autonomia sobre as matérias. Como parlamentar, já fui diversas vezes falar com o presidente para colocar em pauta alguma matéria e ele disse que era contra. Ele não pode fazer isso.
Ciro – Claro. Que autoridade terei para tratar com o presidente Lula sobre limite de medidas provisórias, se meia hora depois for tratar sobre a nomeação do vice-presidente da Caixa?
Ciro – Fui sondado, mas descartei totalmente. Seria maravilhoso para minha carreira, para meu Estado, mas passaria uma imagem oportunista. Jamais aceitarei negociar a candidatura por conta de uma vantagem pessoal ou partidária. E, se for eleito, vou firmar o compromisso de me candidatar novamente a deputado. Para não deixar dúvidas de que não pretendo usar o cargo como trampolim político.
Ciro – Um grande companheiro para aprovar as mudanças que interessem ao País, sem o menor compromisso de trocas.
Ciro – São meus amigos e lhes dou presentes nos aniversários. Isso é normal. Grande parte dos gabinetes tem frutas e as pessoas vão lá e lancham.
Hoje vão de 50 a 90 pessoas ao meu gabinete. Não vão lá para lanchar; vão discutir os interesses da Casa. Tentar denegrir isso é mesquinho.
Ciro – No gabinete dele também tem frutas…
Ciro – A Casa não quer seu futuro vinculado a um partido. Se o presidente vier a ser do PMDB, da maneira como está construída a candidatura de Michel Temer, ele tentará vincular os interesses da Casa às eleições de 2010.
O PMDB acena para o Serra, mas também acena para o Lula, tentando trazer o apoio deles para a eleição da Câmara. Isso é muito ruim.
Ciro – Não vejo intenção nenhuma do PT em romper esse acordo. O apoio formal será dado ao Michel Temer.
Ciro – Graças a Deus.