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Tanto já se escreveu, se filmou e se falou sobre a história dos integrantes do quarteto de rock britânico mais famoso de todos os tempos, The Beatles, que é difícil imaginar que novas revelações possam existir. O escritor e jornalista inglês Philip Norman, autor do livro Shout!, justamente sobre o grupo de Liverpool, sempre esteve convencido de que a trajetória pessoal e artística de John Lennon jamais fora explorada como se devia. Por uma década tentou retratá-la com riqueza de detalhes e o faz agora na biografia John Lennon, a vida, (Companhia das Letras, 851 págs.), que acaba de chegar às livrarias. Um dos méritos de Norman foi ter acesso em primeira mão aos documentos pessoais da tia Mimi, irmã mais velha de Julia, a mãe de Lennon, que morreu quando ele tinha 18 anos.

Após a separação de seus pais, foi ela quem passou a ter a sua guarda. Norman também conseguiu pesquisar as anotações e desenhos feitos pelo jovem Lennon, o que lhe rendeu dados valiosos sobre os sentimentos dele em relação ao amigo Stuart Suttcliffe, primeiro baixista da banda, cuja beleza era comparada à de James Dean. Os dois frequentavam a mesma escola de arte em Liverpool, mas a amizade foi interrompida com uma tragédia: Stu (como era conhecido) morreu de uma hemorragia cerebral em consequência de um traumatismo craniano. "Eu admirava Stu.

E dependia dele para me dizer a verdade", disse Lennon, após a morte do amigo, em uma das revelações da nova biografia.

Norman também contou com a colaboração de personalidades importantes, que lhe concederam entrevistas espontâneas, como foi o caso da viúva de Lennon, Yoko Ono, do ex-parceiro Paul McCartney, do empresário George Martin e de sua primeira namorada, Barbara Becker. Yoko e McCartney criticaram o livro por achar que denigre a imagem de Lennon.

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AMOR MATERNO John Lennon com a mãe,
Julia, em Liverpool, na década de 50
e na cama com a sua esposa, Yoko Ono,
em famoso protesto pela paz mundial

O que os incomodou foram fatos que nunca antes tinham vindo à tona deforma tão categórica: o suposto desejo de Lennon de ter uma relação incestuosa com a mãe e as suas fantasias homossexuais.

O sentimento em relação à mãe, Julia, a quem Lennon dedicou a canção homônima incluída no disco de 1968 conhecido como Álbum branco, aparece em duas passagens do livro. Na primeira, o músico relembra uma tarde que passou deitado ao lado da mãe em sua cama. "(Ela vestia) um suéter preto de angorá de mangas curtas e gola redonda não muito peludo, talvez fosse aquele outro tecido, caxemira, aquele lá macio (…) acho, e aquela saia estampada verde-e-amarela escura". E após tocar acidentalmente o seio da mãe, ele se perguntou se devia fazer algo mais: "Foi um momento estranho. Sempre achei que deveria ter feito. Presumivelmente, ela teria permitido."

Ao relatar o episódio para a mulher, Yoko, ela o teria aconselhado uma terapia. Foi quando Lennon aderiu ao tratamento do grito primal, técnica do terapeuta americano Arthur Janov "que se destinava a romper a força dos anos de sentimentos reprimidos e necessidades insatisfeitas."

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Em outra passagem, quem confirma os desejos de Lennon é a própria Yoko: "Ele me disse que, adolescente, costumava ficar no quarto de Julia quando ela tirava uma soneca à tarde. E que sempre lamentara nunca ter podido fazer sexo com ela." A mãe está presente em outro trabalho do filho: é tema da música de abertura do disco John Lennon/ Plastic Ono Band, de 1970. Na letra Mother, ele diz: "Mãe, você me teve/ mas eu nunca tive você". É também Yoko quem afirma acreditar que Lennon desejou ter um caso com Paul McCartney. Ele nunca tentou por achar que não seria bem recebido. Norman indagou McCartney sobre o assunto. O ex-beatle respondeu que, se esse desejo existiu, ele, McCartney, nunca percebeu: "Nós dormíamos juntos direto em nossas turnês. Se algo rolasse, acho que teria percebido."

REVELAÇÕES DE UM MITO DO ROCK
"Compartilhar novos acordes era complicado devido ao fato de Paul ser canhoto, o que significava que cada um via a posição de modo invertido no braço da guitarra do outro. E, se um de nós precisasse tomar emprestado a guitarra do outro numa emergência, éramos forçados a tocar com o instrumento de ponta-cabeça"

"George (Harrison) era jovem demais. Eu não queria saber dele no começo. Ele apareceu em Mendips certa vez e me convidou para ir ao cinema, mas fingi que estava ocupado"

"O Bob Dylan e outros amigos meus disseram que você tem uma reputação horrível em Nova York e que você traz vibrações negativas" George Harrison para Yoko Ono (ela queria participar do Álbum branco)

Uma suposta relação gay de Lennon teria acontecido com o assumidamente homossexual Brian Epstein, produtor dos Fab Four e considerado o quinto beatle. Epstein era apaixonado pelo músico, mas o autor não conseguiu confirmar se algum romance realmente existiu. O livro vai além desses detalhes picantes e polêmicos. Chega a ser admirável na recriação do panorama histórico da Inglaterra do pós-guerra e usa o mesmo método à medida que vai reconstituindo a formação do jovem Lennon, seus dramas familiares (que não eram poucos) e o aparecimento dos seus parceiros musicais que integrariam os The Beatles anos depois. O autor reproduz uma anotação de Lennon ao relatar o seu encontro com McCartney, aos 16 anos: "Pensei cá comigo: ele é tão bom quanto eu. Eu tinha sido o chefe até então. Se eu o aceitar, o que vai acontecer? A decisão era entre me manter forte ou fortalecer o grupo. Mas ele era tão bom e se parecia com o Elvis." Não poderia haver prova melhor da histórica competitividade que alimentou a relação entre os dois compositores e que marcaria para sempre a história da música popular.

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QUARTETO Paul McCartney (terceiro, da esq. para a dir.)
não acredita que Lennon desejasse ter um caso com ele: "Dormíamos sempre juntos nas turnês.
Se existisse algo, eu acho que teria percebido"