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MUDANÇA
A UFRJ quer transformar o espaço em
um centro cultural da universidade

O mais famoso palco da música do Brasil silenciou. O Canecão, casa de shows onde Roberto Carlos fez sua primeira apresentação solo,  onde os Doces Bárbaros marcaram época, onde Chico Buarque não abre mão de cantar em todas as suas turnês, localizado em Botafogo, no Rio de Janeiro, foi lacrado na segunda-feira 10. O imóvel onde o espaço funcionou durante 43 anos é público, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que lutou na Justiça durante 39 anos para retomá-lo porque jamais recebeu pagamento de aluguel do seu fundador, o empresário Mário Priolli. Não se questiona o direito da UFRJ em retomar o local. Mas transformar o espaço em um centro cultural, como pretende a universidade, é pôr fim a um ícone da expressão musical brasileira. E é este o foco central: como manter o Canecão funcionando e respeitar, ao mesmo tempo, a gestão do legítimo proprietário, a UFRJ?

Se depender da prefeitura e do governo do Estado, o Canecão continuará sendo palco de grandes espetáculos. “Eu vou conversar com o reitor da UFRJ e ver o que pode ser feito ali. Acho que é uma pena fechar. A decisão da Justiça é para ser acatada, mas o Canecão tem a ver com a cultura, a história, o movimento democrático, a luta por liberdade”, disse o prefeito Eduardo Paes à ISTOÉ. “Eu faria uma licitação para alguém explorar aquilo como uma casa de shows bem estruturada. Pode ser uma fonte de receita fantástica para a UFRJ”, completou o prefeito. O aluguel mensal do Canecão, hoje, estaria na faixa de R$ 200 mil, segundo o economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Francisco Barone. “A manutenção do Canecão interessa ao governo porque é um centro de referência histórica, cultural e turística. Vamos fazer o que estiver ao nosso alcance”, diz o secretário estadual da Casa Civil, Regis Fichtner.

A classe artística está inconformada e vai pressionar a UFRJ para que o lugar mantenha sua ligação com a música. “Fechar o Canecão equivale a fechar o Olympia, em Paris”, diz Martinho da Vila, o primeiro sambista a tocar na casa, em 1972. Para Ricardo Cravo Albin, um dos maiores pesquisadores da MPB, a importância do Canecão ultrapassa a função de simples casa de shows. “É um ponto de afeto e referência da cidade. Precisa ser preservado”, resumiu. A cantora Miúcha, que gravou lá, em 1977, um disco histórico com Vinicius de Morais, Tom Jobim e Toquinho, afirma que “o Rio morre um pouco sem o Canecão”.

O reitor da UFRJ, Aluísio Teixeira, pretende promover atividades culturais dos grupos de música, dança e teatro da própria universidade. Ele tem conversado muito com a Petrobras e espera conseguir patrocínio para reformar o espaço de 36 mil metros quadrados e bancar seu novo projeto. O reitor descarta repassar a gerência novamente à iniciativa privada. “A UFRJ não tem o lucro como propósito. A finalidade do espaço não será empresarial”, diz uma pessoa próxima a Teixeira. Ainda assim, vários nomes de empreendedores foram lembrados para assumir o espaço, entre os quais o empresário Eike Batista, acostumado a salvar locais importantes e abandonados da cidade, como o antigo Hotel Glória. “Mas não tenho interesse, já possuo muitos investimentos na cidade”, disse Batista à ISTOÉ.

CALOTE
Estima-se que nesses 43 anos a UFRJ tenha deixado de receber, no mínimo,
R$ 50 milhões em aluguéis. Por mês, perdia algo em torno de R$ 200 mil

O economista Barone, da FGV, estima que a UFRJ deixou de arrecadar, por aluguéis não recebidos, no mínimo R$ 50 milhões. Fora outras dívidas que Priolli acumulou. O empresário também foi denunciado pelo Ministério Público Federal do Rio por fraude previdenciária. Foi por causa desse débito com o INSS que o Canecão perdeu o patrocínio da Petrobras. E a dívida com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), que centraliza toda arrecadação e distribuição dos direitos autorais de execução pública de música no Brasil, ultrapassa R$ 6 milhões.

O episódio do Canecão é emblemático de uma retomada de imóveis públicos que foram indevidamente apropriados por terceiros no Rio. O governo do Estado conseguiu recuperar, na semana passada, outro espaço tradicional da cidade, a casa de festas Scala, no Leblon, que não paga aluguel há 12 anos e deve mais de R$ 17 milhões aos cofres públicos. O imóvel será leiloado nos próximos meses e não deve ser vendido por menos de R$ 50 milhões, segundo Evelyn Rosenzweig, presidente da Associação dos Moradores e da Associação Comercial do Leblon. Um caso solucionado é o da boate Help, em Copacabana, desapropriada pelo governo estadual no fim do ano passado e que passa, agora, por obras para virar a nova sede do Museu da Imagem e do Som (MIS). A diferença, no caso do Canecão, é que todos querem que ele continue a ser exatamente o que sempre foi: uma casa onde os aplausos são fartos.

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Colaborou Adriana Prado