30/08/2006 - 10:00
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio Mello, flamenguista e carioca de 60 anos, adora uma polêmica. Ele já mostrou que não está de brincadeira quando o assunto é fiscalização eleitoral. O TSE multou o presidente Lula em R$ 900 mil por propaganda irregular e cassou o registro do candidato do PCO à Presidência, Rui Pimenta, por não ter prestado contas das últimas eleições. Convencido de que o País passa por “tempos estranhos” em que a cada dia aflora um novo escândalo de corrupção, Marco Aurélio estabeleceu que a Justiça Eleitoral precisava ser rigorosa como nunca. Em eleições passadas, diz ele, os juízes eleitorais pareciam jogar na “loteria esportiva”, optando pela “coluna do meio” na hora de punir os atos ilícitos. “Agora, não haverá tergiversação”, avisa. Mas, acima de tudo, busca conscientizar o eleitor. Para ele, se um político corrupto obteve mandato, é porque os eleitores o concederam. “A palavra está agora, acima de tudo, com o eleitor. Ele é que pode escolher de fato se pretende dias melhores ou se prefere manter tudo como está”, desafia Marco Aurélio, nesta entrevista que concedeu em seu gabinete, no TSE, na segunda-feira 21.
O eleitor precisa tomar consciência do seu voto. A sociedade não pode posar de vítima da situação de corrupção pública que aflora. Ela não é vítima. Ela é autora. É quem escolhe os candidatos e são poucos os eleitores que percebem isto. Por ser o voto obrigatório, eles comparecem às urnas um pouco aborrecidos, contrariados. O voto tem significado sim!
Os eleitores precisam analisar o perfil do candidato, o que está dizendo, o que fez até aqui, a vida pregressa, para depois não ficar com as mãos na cabeça ou reclamando do que está havendo quando os escândalos surgem. Essa conscientização é que os eleitores precisam ter.
Se todos são ruins, vamos escolher o menos pior.
Eu sou favorável à transparência maior. O candidato que tem alguma coisa a esconder não deve ser candidato. O homem público é um livro aberto, ele vai para a vitrine. E, aí, não cabe evocar a privacidade como garantia constitucional. Essa é a privacidade do cidadão comum. A liberdade de expressão, ainda que com alguma distorção, tem de ser enaltecida. Nenhuma informação, nessa hora, é demasiada.
Quando assumi, ressaltei que precisávamos de uma nova leitura do arcabouço normativo. Não podíamos mais ter margem que evitasse a punição dos desvios de conduta, dos procedimentos à margem da lei. A época é de purificação, sem se chegar a um justiçamento.
A premissa do voto foi única. A lei tem um balizamento: 20 mil a 50 mil ufirs. Com um acréscimo: ou o valor da publicidade se mais elevado. E foi o caso. Distribuíram um milhão de cartilhas de 30 e poucas páginas. E aí o relator chegou a esse valor (R$ 900 mil). E a maioria do colegiado entendeu que seria uma multa cabível. Paga-se um preço por se viver em uma democracia. E esse preço é módico: é o respeito ao balizamento legal.
Eu, nos debates sobre o caso, indaguei: se o governo atual fosse do mesmo partido do anterior, ele precisaria fazer uma comparação para dizer que houve uma progressão, um avanço, agora?
Não vou aceitar a tergiversação a partir de que a lei é lacunosa, de que a situação concreta não está prevista. Como se a lei e o legislador
fosse casuística.
O que apontei é que, diante do quadro extravagante, era necessário se ter uma atenção maior, sob pena de a coisa degringolar e virar uma babel. Por isso, disse que, no que dependesse de mim, teríamos a atuação vigilante do Judiciário. Para deixarmos o campo do faz-de-conta.
Nós tínhamos uma jurisprudência nesse sentido que lembrava um pouco a loteria esportiva. Ficávamos na coluna do meio. Porque se admitia a prestação das contas com ressalvas. O que é admitir prestação das contas com ressalvas? Deixar passar algo que não se enquadra no figurino? Nós já mudamos isso. Agora mesmo, um candidato à Presidência da República (Rui Pimenta, do PCO) teve o registro indeferido. Ele está esperneando e é um direito dele espernear.
Porque ele não prestou contas do que gastou na eleição anterior. Foi um ato omissivo. Não dá.
Temos duas vertentes. A primeira está assentada no princípio da não culpabilidade. A outra, que surge no TRE-RJ, é: se o candidato está sendo julgado em processo na própria instituição à qual pertence, não se cria uma situação nebulosa. Aí cabe a invocação de um princípio muito caro à administração pública: o da moralidade. Analisamos uma consulta nesse sentido do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) e houve um pedido de vistas do ministro Carlos Ayres Britto. O tribunal mais cedo ou mais tarde julgará. E, portanto, não deve adiantar a convicção a respeito.
Evidentemente, renúncias não são para abandonar de vez a vida política. Nós não acreditamos mais em Papai Noel.
A imunidade tem de ficar circunscrita a votos, opiniões. O STF já tem entendido assim. Agora, talvez seja o caso de se cogitar do fim da prerrogativa de foro. De os parlamentares serem julgados apenas pelo Supremo. Que ele seja julgado como qualquer cidadão.
O sentimento da impunidade.
É responsabilidade da polícia, do Ministério Público, do Judiciário e responsabilidade, principalmente, do Estado. O Estado precisa viabilizar a infra-estrutura para a atuação desses órgãos.
Em primeiro lugar, é caso de vergonha na cara. Agora, é claro que a legislação pode ser aperfeiçoada. O que nós estamos constatando é que os desvios de conduta afloram porque há uma ganância maior. Todos querem ganhar e, quando alguém não ganha, acaba delatando. E afloram também porque se tem hoje uma imprensa livre, que informa à sociedade o dia-a-dia da administração. Não se varre mais nada para baixo do tapete.
Ah, tem! Eu sou um otimista. Quero que tudo venha à tona, e que as instituições funcionem. Agora, quanto à discussão sobre mudanças na legislação, nós temos de tomar cuidado. Nós vemos um verdadeiro entulho legislativo. Isso só gera conflitos de interesses e mais processos para o Judiciário. No Brasil, o que nós precisamos é de homens públicos que observem as leis existentes.
A lei eleitoral deste ano veio baratear o custo da campanha, afastando a distribuição de brindes, showmícios. Sou favorável ao financiamento público, com absoluto rigor. Constatado o emprego de verba privada, dê-se a glosa do registro do candidato. Se já diplomado, do diploma; se já empossado, do mandato.
Sim. Sou favorável ao voto facultativo. Deixar o voto apenas como um direito, e não como um dever. Não cabe persistir com o voto obrigatório de pessoas que comparecem sem ter a mínima noção do que farão no dia da eleição e que número digitarão na urna eletrônica.
Nós teríamos, de fato, a ausência de muitos eleitores. Mas teríamos a participação, com uma concretude maior, dos eleitores conscientizados. Agora, você veja o paradoxo: obriga-se o voto e dá-se ao eleitor o direito de anulá-lo. Será que o objetivo é esse?
A omissão é uma fuga à responsabilidade quanto ao futuro do Brasil. É não perceber que a eleição repercute nos anos seguintes. Essa história de só olhar para o umbigo, para as questões individuais, está no campo da miopia absoluta.
A apatia é péssima. E não se pode utilizar o pretexto de que a coisa está podre para simplesmente ignorar o dia-a-dia da vida nacional. Se nós precisamos fazer correções, que aproveitemos agora o dia 1º de outubro. A palavra está com o eleitor. Que o eleitor atue. Que não traga de volta às Casas pessoas que não mereçam ter assento nelas.
Não há a menor dúvida de que não são rigorosos mesmo. É interessante o voto do ministro José Gerardo Grossi (do TSE) nessa consulta
do deputado Miro Teixeira. Ele disse que os partidos são lenientes. E são mesmo. Porque são essas pessoas que deixam a desejar que estão lá dentro e que surgem como candidatos escolhidos na convenção. Mas o eleitor não é ingênuo. Ele tem que formar um juízo sobre aquele que se apresenta como candidato. O eleitor é que pode agora escolher de fato se pretende dias melhores ou se prefere manter tudo como está.