Alguns dias depois de ter feito a pregação de que as empresas aéreas precisavam aumentar o espaço entre as poltronas para melhor abrigar pessoas maiores como ele, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ganhou um apelido pouco lisonjeiro das companhias aéreas. O apelido referia-se ao suposto tamanho avantajado da região glútea do ministro. Como gíria brasileira, é utilizada também para designar alguém que não tem a força que procura demonstrar. A partir daquele momento, tem sido por esse apelido que Jobim vez por outra é tratado pelos diretores das companhias aéreas. O episódio ilustra a queda-de-braço que vem sendo travada entre o ministro e as empresas de aviação. Jobim considera que boa parte dos problemas que ainda mantêm o caos aéreo se deve agora a elas. As companhias até admitem algumas falhas, mas julgam que o ministro faz discursos e críticas para esconder as suas próprias deficiências.

Os episódios do início da semana passada, quando a combinação de chuvas fortes com o aumento do volume de passageiros em São Paulo em conseqüência do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 trouxe de volta o fantasma dos atrasos e cancelamentos de vôo, mostraram que o caos aéreo ainda está longe de ter sido resolvido. E isso quase às vésperas de mais dois feriados prolongados (2 e 15 de novembro). A avaliação que se faz é que o ministro da Defesa teve o pulso necessário para solucionar a rebeldia dos controladores de vôo, uma das principais causas da crise. Agora, porém, Jobim percebe que o controle aéreo era só um dos vértices da crise. Somava-se a isso a disputa por lucro entre as duas companhias que dominam o serviço aéreo no País, os erros e a corrupção da Infraero na remodelação e capacitação dos aeroportos e a falta de autoridade e conhecimento da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para regular o setor. Jobim já mudou a Infraero. Quanto às duas pontas que faltam, elas ainda são uma dor de cabeça para o ministro.

A avaliação feita no governo é de que as empresas aéreas entraram numa espiral visando o lucro a partir do padrão estabelecido pela Gol, de viagem aérea a baixo custo. Esse padrão revelou- se um sucesso, atraindo consumidores das classes C e D que até então quase nunca voavam de avião. A Varig entrou em crise. E a TAM acabou buscando formas de baixar também seus custos para acompanhar a Gol. O maior problema dessa corrida não é oferecer barras de cereal durante os vôos, mas uma economia que prejudicou a qualidade dos serviços das companhias no atendimento aos passageiros. As empresas cancelam vôos vazios para unir os passageiros em um único avião; obrigam-nos a entrar em duas filas diferentes para fazer o check-in e despachar as bagagens; são incapazes de dar satisfações pelos atrasos e outros problemas. Além disso, ignoram os direitos dos consumidores de ter hospedagem e refeição nos casos de atrasos mais longos. E tornam mais apertado, como reclama Jobim, o espaço entre os assentos nas aeronaves para transportar mais pessoas.

Para Jobim, somente a Anac poderia estabelecer o meio-termo entre os interesses dos consumidores e os das companhias aéreas. Fazer essa regulação, aliás, é a razão de ser da agência. “Se o tempo é ruim, eu não posso chegar a São Pedro e pedir que resolva o problema”, comenta Jobim. “Mas eu posso querer que as empresas prestem a devida assistência e dêem as informações corretas sobre o que está ocorrendo aos passageiros”, continua. Exigir esse padrão, avalia ele, era a tarefa da Anac. “Infelizmente, porém, ela continua naquela leniência que a caracteriza”, fuzila o ministro. Dar uma solução a essa leniência virou, porém, outra queda-de-braço para Jobim. O presidente da Anac, Milton Zuanazzi, recusa- se a deixar o cargo. O ministro até já escolheu a sua substituta, Solange Paiva Vieira, mas enquanto Zuanazzi não sai, não pode nomeá-la.

Complica ainda a situação da Defesa o ritmo lento do Senado. Os demais diretores da Anac dos tempos de Zuanazzi já deixaram os cargos, mas os novos nomes escolhidos por Jobim ainda não foram sabatinados e aprovados pelos senadores. Enquanto isso não acontece, Jobim tem que engolir Zuanazzi, pois, do contrário, a Anac ficaria totalmente acéfala. Quando os novos diretores forem aprovados, acredita ele, o atual presidente acabará saindo, pois se tornaria voto vencido em todas as decisões da agência. De fato, nesse momento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve mesmo destituir Zuanazzi da presidência. O problema é que para o cargo de diretor da agência Zuanazzi tem um mandato. Se, por birra, quiser continuar, não há como tirá-lo.

OS MILIONÁRIOS DA INFRAERO
O relatório da CPI do apagão aéreo elaborado pelo senador Demóstenes Torres (DEM-MT) revela que funcionários e diretores da Infraero ficaram milionários com as fraudes na empresa. O senador acredita que o superfaturamento nas obras dos aeroportos chega a R$ 1,5 bilhão. A quebra do sigilo bancário, telefônico e fiscal dos personagens envolvidos com as fraudes mostra que eles movimentaram milhões, sem explicação. Um exemplo é o ex-superintendente da Infraero em Alagoas e no Paraná, Mário de Ururahy Macedo Neto, e de sua mulher, Hidelbrandina Macedo, cuja movimentação financeira suplantou os rendimentos declarados em mais de R$ 1 milhão entre 2002 e 2005. A CPI confirma denúncia feita pela empresária Silvia Pfeiffer a ISTOÉ, de que Mário recebeu vantagens da empresa Aeromídia. Foram rastreados 60 telefonemas do casal Ururahy para a Aeromídia e para seu proprietário, Carlos Alberto Carvalho. Este último teve entre 2002 e 2005, junto com a esposa, uma movimentação financeira que supera os rendimentos declarados em mais de R$ 1,8 milhão. Já a ex-diretora de Engenharia da Infraero Eleuza Lores teve uma movimentação de mais de R$ 2 milhões entre 2003 e 2006.

Os petistas tentam livrar das punições o hoje deputado Carlos Wilson (PT-PE), ex-presidente da Infraero, qualificado por Demóstenes como “chefe da quadrilha”. Ele considerou o relatório “irresponsável”. Demóstenes Torres devolveu: “Carlos Wilson age como um São Jorge de prostíbulo: olha tudo e nada vê”.