Há algo de podre na aliança entre o governo Lula e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). No início, eram só elogios recíprocos. Aos poucos, vieram as críticas. Primeiro, queixas leves pela recessão econômica; depois, críticas pesadas contra as altas taxas de juros; mais tarde, pancadas na alta carga tributária. Ultimamente a Fiesp vem protagonizando uma campanha popular contra a renovação da CPMF, capaz de render R$ 40 bilhões aos cofres da União em 2008. Isso tem deixado o presidente Lula furioso. Na quarta- feira 24, Lula convidou para uma reunião no Palácio do Planalto os 100 maiores empresários do País. Foi o maior encontro com lideranças empresariais em cinco anos no poder. Compareceram 96. Estava lá todo mundo que importa, metade do PIB nacional, os presidentes de grupos como Votorantim, Vale do Rio Doce, Pão de Açúcar, Gerdau. De importante mesmo, só faltou um: Paulo Skaf, presidente da Fiesp e um dos mais eloqüentes líderes do empresariado nacional. Não compareceu porque nem sequer foi convidado. Lula está empenhado em esvaziar a influência de Skaf. Há muitas razões; a campanha contra a CPMF foi a gota d’água. Para não acusar o golpe, ele arrumou uma viagem para a Itália na hora do convescote palaciano.

“Não há rompimento com o governo; não há um só ministério que não mantenha boas relações com a Fiesp”, disse Skaf a ISTOÉ, antes de embarcar. Sobre sua relação com Lula, ele diz: “Admiro e respeito o presidente Lula. Fui um dos poucos líderes empresariais a apoiá-lo nas eleições de 2002.” É verdade. Na ocasião, Skaf era presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, Abit, uma das entidades que mais deram dinheiro à campanha de Lula. Quando o presidente chegou ao Palácio, Skaf fazia parte da “turma da maçaneta”, aqueles que abriam a porta do gabinete presidencial sem hora marcada. Lula, por sua vez, o apoiou nos bastidores para que fosse eleito presidente da Fiesp, numa candidatura em que poucos apostavam. Então, por que hoje são inimigos ? Skaf atribui a culpa ao apetite de Lula por arrecadar impostos. “Respeito Lula, mas hoje não há uma contrapartida à altura do fardo tributário que ele nos impõe.” Dentro do círculo palaciano, a versão é outra. Lula teria se afastado de Skaf simplesmente porque ele teria perdido a liderança. “Ele está isolado”, disse um auxiliar direto do presidente. Um ministro confidente de Lula vai mais longe: “O Skaf estava usando o governo para seus interesses políticos pessoais. Ele quer ser governador de São Paulo.”

A idéia de chamar os empresários foi do ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. Quando Lula desembarcou na Espanha, foi recebido por empresários do primeiro time que eram só elogios ao Brasil. Numa conversa, Lula e Miguel constataram que os investidores estrangeiros estariam mais confiantes no País do que os próprios empresários brasileiros. Foi aí que convocaram a reunião. Ou seja, o encontro não tinha nada a ver com Skaf. Mas sua turma fez correr a versão de que Lula estaria tentando medir forças com o presidente da Fiesp, que a reunião seria um ato de desagravo ao presidente por causa da CPMF. Uma encenação para mostrar ao Senado que o empresariado estaria ao lado de Lula, não da entidade. Por isso, a maior parte dos convidados chegou aguardando um debate sobre o imposto do cheque. O presidente, porém, não tocou no assunto. Mas os empresários aproveitaram para reclamar da carga tributária. “O problema não é ficar com a CPMF, e sim que a carga é alta”, queixou- se Luiza Trajano, do Magazine Luiza. Ponto para Skaf e prova inconteste da miopia de setores do governo, que acreditam que o empresariado adotará sempre uma postura subserviente em relação ao Planalto.

No passado, Skaf era um outsider azarão, mas na Fiesp ele está fazendo uma gestão que incomoda. Atraiu alguns dos melhores quadros do País, como os exministros do Desenvolvimento Sérgio Amaral e das Minas e Energia Rodolfo Tourinho. Também organizou uma espécie de Ministério das Sombras para acompanhar e criticar o governo. Sua gestão está dando tão certo que ele unificou os industriais paulistas e, há apenas cinco meses, foi reeleito presidente da Fiesp – sem adversários. Como é que, nesse caso, Skaf poderia ter perdido a liderança? Dentro do Planalto, de fato, ele perdeu influência. Incomodado com as críticas, Lula trocou Skaf por empresários de língua aveludada. Há quatro que o presidente hoje procura para pedir conselhos: Jorge Gerdau (Grupo Gerdau), Roger Agnelli (Vale do Rio Doce), Ivan Zurita (Nestlé) e Emílio Odebrecht (Odebrecht).

A questão da CPMF separa Lula de Skaf. Mas ela é apenas a ponta de um iceberg nas divergências. Lula foi eleito numa aliança entre os trabalhadores e o setor produtivo nacional com a promessa de acelerar o crescimento. Multinacionais e banqueiros estavam com José Serra. O que aconteceu de lá para cá, entretanto, tem deixado furiosos os tradicionais capitães da indústria paulista – Skaf é apenas a cabeça visível. No primeiro mandato, o governo Lula aprofundou a política econômica ortodoxa. Os resultados positivos dessa opção só agora estão sendo colhidos. O Brasil se transformou numa das melhores opções para os investidores internacionais. Toda semana uma nova empresa anuncia a abertura de capital. A conseqüência disso é uma gestão mais corporativa, com o fim do caixa 2 e a substituição da família por executivos do mercado. Isso incomoda a muitos dos “capitães da indústria” da avenida Paulista. Outro ponto que incomoda é que Lula tem privilegiado a criação de novos pólos de desenvolvimento que passam longe da Fiesp. No PAC, praticamente não há obras previstas para São Paulo. Por fim, o modelo econômico de Lula está tirando o acesso privilegiado ao Estado. Muitos nichos cartoriais estão acabando. Dias atrás, por exemplo, o governo licitou a concessão de sete rodovias federais. Ganharam os espanhóis e uma empresa de Brasília. As empreiteiras paulistas ficaram de fora. E furiosas. Por isso, há algo de podre na velha aliança do governo Lula com a Fiesp.