O presidente Lula ganhou mais um motivo para se preocupar com a hipótese de sofrer, como seu antecessor, os efeitos da insuficiência de energia elétrica. O Instituto Acende Brasil, formado por investidores do setor, acaba de divulgar uma nova previsão para a oferta de energia, indicando um sensível aumento do risco de racionamento ainda no atual governo. Em relação à pesquisa de julho, as projeções melhoraram para 2011 e 2012, mas são mais pessimistas para 2008 e 2009. Em julho, o risco era de 5% para 2008 e de 6,5% para 2009. Agora, subiu para 9% e 8%. O limite recomendável é de 5%. O diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) – entidade privada sem fins lucrativos –, Hermes Chipp, descarta o perigo para 2008, mas reconhece que, para funcionar sem sobressaltos nos dois últimos anos de Lula, o sistema elétrico depende do fornecimento de gás para as usinas térmicas.

“Dez por cento é um risco grande. Se alguém disser que, em cada 100 aviões, dez iriam cair, alguém embarcaria?”, compara o diretor do Instituto Acende Brasil, Carlos Sales. Para Sales, o governo precisa montar um plano que oriente o setor produtivo em um eventual cenário de racionamento. “Se uma indústria souber com antecedência do exato risco que tem de ficar sem gás, pode trocar sua matriz, redimensionar seus planos ou até produzir energia”, diz Sales.

O diretor-geral do ONS nega qualquer hipótese de apagão no próximo ano. “Não há qualquer motivo para montarmos um plano de economia de energia. Garanto que em 2008 não haverá racionamento”, afirma. E em 2009? “É vital que a Petrobras forneça o gás para as térmicas”, recua. Pressionada pelo governo, a Petrobras se comprometeu com as térmicas, mas corre o risco de não dar conta das encomendas contratadas por grandes empresas. A estatal comprou dois navios equipados para gaseificar o gás líquido. O problema é que a oferta de gás líquido no mundo é cada vez menor do que a demanda.

O senador Aloizio Mercadante (PTSP) se refere aos próximos três anos como “travessia do deserto”. Ele defende que as fábricas de açúcar e etanol sejam estimuladas a produzir energia com o bagaço da cana. Para produzir 200 MW(megawatts) médios (unidade de energia que representa a média do consumo diário), uma caldeira custa US$ 5 milhões. Só São Paulo tem 54 usinas à espera de autorização para funcionar. “A licença para uma usina de biomassa demora 44 meses. Sem reduzir esse tempo, não dá”, critica. Já o especialista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE), alerta para as incertezas no fornecimento de gás e na execução das obras no tempo previsto. “Se o cara lá na Bolívia (Evo Morales, presidente) fizer alguma traquinagem ou não puder continuar mandando 30 milhões de metros cúbicos por dia, a situação se complica muito”, explica.

O aquecimento global deixa no fio da navalha o sistema brasileiro, um dos poucos com matriz hidrelétrica. Cerca de 85% da energia sai das hidrelétricas. Com custo superior por MW, as térmicas a gás, óleo ou carvão funcionam como reservas, que injetam seus MWs no sistema acionadas pelo ONS quando os reservatórios das hidrelétricas atingem níveis críticos. A instituição está concluindo uma proposta a ser feita ao Ministério das Minas e Energia estabelecendo uma meta mínima de 55% para o nível dos reservatórios em novembro de cada ano. O clima tem sido generoso no governo Lula: no fim do último período chuvoso, abril, os reservatórios estavam com 90% e deverão chegar em novembro (fim da seca), segundo o ONS, com 50%, bem mais do que os 22% de novembro de 2000. O racionamento de FHC foi decretado em junho de 2001. Em abril, os reservatórios estavam com 33% de capacidade.

O físico Luiz Pingueli Rosa, ex-presidente da Eletrobras, ressalta que o risco de racionamento é permanente em um país que tem na água sua matriz. “Risco zero não existe. Seria tão caro que não valeria a pena”, argumenta. Pingueli acha “exageradas” as previsões de catástrofe, mas discorda da “tranqüilidade” do governo. Ele considera preocupantes os efeitos do aquecimento sobre os cursos de água, mas diz que o País não deveria optar por energias mais caras e poluentes, à base de óleo ou carvão. “Se o planeta esquentar a ponto de acabar com os rios, a situação será tão caótica que o apagão será irrelevante. Não há energia no day after”, afirma.

Se as chuvas e a previsão de novas usinas criam um cenário mais otimista do que o de 2001, uma outra diferença deixa o sistema em estado de alerta: o crescimento econômico, hoje bem mais vigoroso. Se para a sociedade é motivo de comemoração, significa perigo para o sistema elétrico. “Para cada ponto porcentual de crescimento do PIB, a oferta de energia precisa aumentar em 1,2% a 1,3%”, diz o presidente do Conselho de Energia da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, engenheiro Armando Guedes. A grande incógnita é se os projetos serão executados no tempo previsto. O leilão de compra de energia da Usina de Santo Antônio, no rio Madeira – que deve produzir 2.215 MW médios a partir de 2012 –, já foi adiado quatro vezes pelo governo.