Dos 19 milhões de carros que circulam hoje pelo País, 29% têm mais de 15 anos de uso. Em contrapartida, a produção de carros novos está em curva descendente, depois de um recorde de mais de dois milhões de unidades em 1997. Sintonizado com o setor, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC batalha para que o governo federal coloque em prática um programa para renovar a frota brasileira. A proposta, que inclui o reaproveitamento da matéria-prima dos automóveis tirados de circulação, já recebeu o sinal verde do próprio presidente Fernando Henrique Cardoso, mas parou num congestionamento do Planalto. “O Brasil precisa adotar uma política permanente, a favor do meio ambiente, da segurança e também do emprego”, defende Luiz Marinho, o presidente do sindicato.
Marinho está à frente da organização do Seminário de Renovação da Frota Nacional e Reciclagem de Veículos, que reunirá os mais importantes especialistas do setor no próximo dia 13, na Assembléia Legislativa de São Paulo. Na abertura, também estão confirmadas participações de peso, como a do governador paulista Mário Covas e a do ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias. Aos 40 anos, calouro do curso de Direito da Universidade Bandeirantes, Marinho fala a seguir dos principais pontos da proposta.

ISTOÉ Quando Alcides Tápias assumiu a pasta de Desenvolvimento, o sr. questionou se a troca seria só de titular ou de política ministerial. Cinco meses depois, como o sr. analisa a situação?
Luiz Marinho – Recentemente, o Tápias fez um desabafo na imprensa, pedindo que o deixassem trabalhar. Na verdade, o governo Fernando Henrique montou um Ministério com um título pomposo. Quando falam Ministério do Desenvolvimento, parece que vão traçar e implementar políticas para desenvolver o País. Infelizmente não é o que nós temos visto, nem com o antigo ministro, o Celso Lafer, nem com o atual. O que Tápias pensava fazer no Ministério era bastante interessante. Mas, no dia-a-dia, tem sido diferente. Trocou o titular, mas a visão política do negócio não mudou, até porque não houve uma mudança de comportamento do grupo que manda no governo, o grupo restrito ao Malan (Pedro Malan, ministro da Fazenda). Os demais Ministérios têm um papel secundário.
ISTOÉ Como isso se reflete no setor automotivo?
Marinho – Nós estamos trabalhando, buscando influenciar. Em 1991, tínhamos uma economia totalmente destroçada, paralisada. Depois, nasceram as Câmaras Setoriais (negociações entre governo, empresa e trabalhadores que estabeleceram reduções nos preços dos carros e metas de emprego para as montadoras). O mercado saltou de 890 mil veículos em 1991 para 2,07 milhões em 1997. Com as medidas econômicas de outubro daquele ano, nós passamos a assistir a uma queda constante do setor automotivo. De mais de 2 milhões em 1997 para 1,57 milhão no ano seguinte e 1,34 milhão em 1999. Em 2000, se nada for feito, o máximo que irá acontecer, será repetir a produção do ano passado.
ISTOÉPode cair mais?
Marinho – Não acredito, mas precisamos incrementar o setor para um processo que reflita na economia como um todo. Em novembro de 1998, lançamos uma proposta para renovar e reciclar a frota nacional, que é composta por 19 milhões de veículos. Deles, 5,5 milhões têm mais de 15 anos de uso. Não dá nem para comparar as condições de segurança, o consumo de combustível e o controle de emissão de poluentes desses carros com os que saem de linha hoje.
ISTOÉ O que é preciso fazer?
Marinho – O Brasil precisa adotar uma política permanente, a favor do meio ambiente, da segurança e também do emprego. Do ponto de vista da segurança, dos acidentes com vítimas, 76% são provocados por carros com mais de 15 anos de uso. Além disso, o Estado tem de se preocupar com o futuro. O que faremos com os carros velhos? Eles vão continuar poluindo, entupindo as ruas e ferros-velhos ou vamos ter uma política sustentável de renovação desta frota, não permitindo que vire lixo?
ISTOÉComo seria na prática?
Marinho – Sugerimos que a frota seja renovada, a partir da constituição de um bônus para o proprietário do carro antigo descontar na compra de seu novo veículo. Defendo também que as revendedoras abram linhas de financiamento com taxas de juros e prazos de pagamento mais favoráveis ao comprador.
ISTOÉCarro antigo é o carro com mais de 15 anos?
Marinho – Sim, ou um carro que seja reprovado na inspeção veicular que será implantada. Então, o cidadão que não tiver o carro adequado, do ponto de vista do controle do meio ambiente e da segurança, não poderá rodar. Ele perderá seu patrimônio. E esse carro vai para onde? É preciso criar centros de reciclagem, para que esse carro velho vire matéria-prima de novo: aço, plástico, borracha, cobre e assim sucessivamente.
ISTOÉQuem criaria esses centros?
Marinho – A siderurgia. Grandes empresas, como a Belgo Mineira, a Barra Mansa e a Gerdau, já estão discutindo a constituição de centros de reciclagem em várias regiões do País.
ISTOÉE o bônus? Quanto vai receber o dono do carro sucateado?
Marinho – Neste momento, o que está indicado é que o bônus fique em torno de R$ 1.800. Acho o valor baixo. Se o governo federal tiver um pouquinho de interesse o bônus pode ser maior. Fazendo as contas de todos os impostos pagos, do momento da compra até cada abastecimento, em cinco anos o dono de um carro desembolsa 102% do valor de produção. Por essa ótica, o bônus poderia ser de R$ 2.500 ou R$ 3.000. Mas, pela inércia do governo, é possível que fique em torno de R$ 1.800.
ISTOÉ – E quem banca o bônus?
Marinho – Se for R$ 1.800, R$ 600 seriam bancados pela cadeia produtiva e o restante estaria ligado à redução de impostos, sendo R$ 700 do IPI (Imposto de Produção Industrial) e R$ 500 do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadoria).
ISTOÉO governo ficaria no prejuízo?
Marinho – Não, porque não haveria queda na arrecadação. O que deve acontecer é um acréscimo na arrecadação, por causa do incremento de produção que o programa trará. Além disso, as montadoras já se comprometeram a não resgatar os bônus caso a venda para o mercado interno fique abaixo do previsto.
ISTOÉ E a pessoa que não quiser abrir mão de seu carro velho?
Marinho – Ela vai continuar com o carro. O programa não é obrigatório, é voluntário. Mas é comum vermos nas ruas carros com placas assim: “Vende-se: R$ 800” ou “Vende-se: R$ 1.200”. Quem não quiser vender, continua circulando com seu carro. O problema será passar na inspeção, em especial por causa da emissão de gases. Estima-se que 70% dos carros acima de 15 anos não passarão no teste. Então, o programa pode ser interessante também neste aspecto.
ISTOÉ Pode ser também a salvação da lavoura para o setor automotivo…
Marinho – Ele é mais interessante para a sociedade brasileira do que para o setor específico. Antes das mudanças na política econômica, tínhamos a estimativa de produzir 3,5 milhões de veículos por ano a partir de 2003. Foi por isso que algumas montadoras fizeram novos investimentos e outras chegaram ao País.
ISTOÉO bônus só poderá ser usado na compra de um carro novo ou vale também para o semi-usado?
Marinho – É uma decisão a ser tomada. No momento em que o governo federal disser que topa negociar, temos diversos pontos a discutir. Entre eles estão a constituição do bônus, o valor, o funcionamento, no sentido de como o cidadão poderá usá-lo. Eu defendo que o cidadão possa comprar um zero ou um semi-novo, porque ninguém tem um carro com mais de 15 anos de uso por opção. Tem porque é o que seu poder aquisitivo permite. E precisa ter o direito de participar do programa para comprar um carro mais novo do que o atual. Nesse aspecto há uma divergência com o governador Covas (Mário Covas, de São Paulo), pois ele defende que só pode ser beneficiado aquele que comprar carro zero.
ISTOÉ O governador paulista foi um dos primeiros a se interessar pela proposta, não foi? Marinho – Desde o primeiro momento, o governador apoiou. Ele coordenou um debate em São Paulo que envolveu montadoras e trabalhadores. Só resta agora o governo federal criar coragem e tomar alguma decisão. Nós até falamos disso com o presidente da República.
ISTOÉQuando?
Marinho – No ano passado, durante a crise da Ford. Ao sugerirmos o acordo emergencial, nossa proposta era de vigência por um ano e, no período, implementar a renovação da frota. Na minha avaliação, o acordo só saiu por conta da pressão que conseguimos criar a partir das demissões da Ford. O governo só fez por conta disso. Até parece feijão velho, só funciona na base da pressão. Na época, o presidente da República disse que ele era favorável à renovação da frota.
ISTOÉE o que foi feito?
Marinho – O presidente disse que encaminharia para o Ministério do Desenvolvimento, que coordenaria o debate no governo. O que eu estranho é que o presidente fala favorável. Os ministros falam favoravelmente, mas não sai decisão. O estranho no governo é essa inoperância. Se o sindicato funcionasse assim, nós já teríamos fechado as portas há muito tempo.
ISTOÉComo quebrar a inoperância?
Marinho – Podemos discutir Estado por Estado. Mas o que queremos mesmo é um programa nacional. Por essa razão, estamos organizando um seminário sobre o assunto na Assembléia Legislativa de São Paulo. Com a iniciativa do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o seminário está sendo promovido pelo governo de São Paulo, pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) e também pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. A idéia é envolver todo mundo.
ISTOÉ O seminário é uma espécie de ultimato para o governo federal?
Marinho – A participação do governo federal não está descartada. É evidente que nós queremos o programa nacional, pensamos inclusive na possibilidade de fazermos manifestações de rua neste sentido. Se o presidente Fernando Henrique não topar, tentaremos fazer o programa com os governadores, a começar pelo de São Paulo.
ISTOÉO programa é voltado também para ônibus e caminhão?
Marinho – A idéia é implementar para automóveis e, depois, dar continuidade com ônibus e caminhão.
ISTOÉ Por que no Brasil não se prioriza nunca o transporte coletivo?
Marinho – Na verdade, os transportes de massa foram destruídos no País há um bom tempo. Muitos acham que, por trabalharmos no setor automotivo, não pensamos no transporte coletivo. Não é isso. Trabalhamos com carro, ônibus e caminhão, mas defendemos que o Brasil invista em metrô, em trem, no transporte fluvial. Aí certamente novas empresas serão montadas, gerando, da mesma forma, empregos para a categoria.