A briga entre revendedores e distribuidores de combustível promete esquentar em março. De um lado, o mercado espera que o governo publique uma portaria que autorize as distribuidoras a operar diretamente até 10% dos postos com sua marca. Do outro, donos de postos ameaçam entrar com ações para pedir a quebra do contrato de exclusividade que as revendas têm com suas bandeiras. O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado de São Paulo (Sincopetro), José Alberto Paiva Gouveia, acredita que pelo menos 700 estabelecimentos – dos mais de sete mil existentes no Estado – devem entrar com ações na Justiça Federal. A alegação é de que com as transformações pelas quais o mercado vem passando desde sua liberação, em 1996, a situação dos revendedores está insustentável. Espremidos por margens de lucro cada vez mais baixas (leia gráfico abaixo), os varejistas argumentam que manter a exclusividade que cada posto tem com sua bandeira engessa o setor. “O que se vê é um abuso econômico. Das 190 distribuidoras cadastradas na ANP (Agência Nacional do Petróleo), as seis maiores – BR, Shell, Esso, Ipiranga, Agip/São Paulo e Texaco – controlam 85% do mercado”, informa Ricardo Hasson Sayeg, advogado do Sincopetro. Essa concentração, aliada à cláusula da exclusividade, segundo o sindicato, daria um tremendo poder de fogo às distribuidoras. “Pelo menos 70% dos revendedores estão em dificuldades financeiras. Enquanto o ideal para um posto seria um lucro de R$ 0,20 por litro, há muitos que estão se submetendo a margens de apenas R$ 0,07 por litro impostas pelas distribuidoras”, garante José Alberto Paiva Gouveia, presidente do Sincopetro. A situação pode ficar pior com a portaria. O raciocínio do sindicato é que os postos operados pelas distribuidoras teriam condições de oferecer combustível mais barato que os demais, já que eliminariam a figura do revendedor. “Elas vão forçar uma quebradeira para aumentar a sua participação no mercado”, acusa Gouveia. Em outras palavras, formariam um cartel. O ministro das Minas e Energia, Rodolpho Tourinho Neto, um dos defensores da proposta, discorda. “Não há intenção nem de quebrar as pequenas distribuidoras nem de prejudicar as revendas. Só queremos baixar preços.” Esso, Shell e Ipiranga afirmam que nem sequer teriam condições de operar 10% de seus postos imediatamente.

Lucros – No entanto, um novo modelo de varejo já vem sendo adotado pelas distribuidoras: postos cujos ativos pertencem à companhia, mas que são operados por terceiros. No lugar do revendedor tradicional, o que se tem é um dealer ou varejista (a denominação varia conforme a empresa). Em 1997, um anúncio de jornal que buscava pessoas interessadas em se tornar dealers da Esso motivou Sílvia Petto Tetzner. Ela investiu R$ 50 mil e começou a operar um posto em Limeira, interior de São Paulo. Ao contrário de um proprietário, sua remuneração não vinha dos lucros, mas de uma retirada mensal pré-acordada no valor de R$ 4,5 mil. Em agosto de 1999, ela devolveu o posto à Esso. “Perdi o dinheiro que investi inicialmente, devo mais de R$ 70 mil aos bancos e ainda tive de vender meu carro para saldar dívidas. Hoje vivo de vender marmitas. Saí com uma mão na frente e outra atrás”, afirma. Como chegou a essa situação? Segundo Sílvia, quando a guerra de preços entre os postos explodiu, a Esso a obrigou a vender combustível a valores inferiores aos que comprava da distribuidora. Notas fiscais comprovam a prática. No dia 15 de abril de 1999, por exemplo, a gasolina comum que Sílvia comprou da Esso custou R$ 0,783 o litro. Na mesma data ela vendeu o combustível por R$ 0,759 (R$ 0,024 menos). De acordo com ela, o lucro do posto deveria ser repassado à Esso na forma de pagamento de aluguel, mas quando o negócio tivesse prejuízo a distribuidora deveria reembolsá-la. “Como eles levavam até três meses para me pagar eu ficava sem capital de giro e era obrigada a recorrer a empréstimos.” O diretor de vendas da Esso, Hélvio Rebeschini, admite que pode ter havido atraso no reembolso, mas que isso aconteceu por falta de controle da administradora do posto. “Ela nunca conseguiu operar a loja nos padrões que gostaríamos e os R$ 50 mil iniciais não são um investimento, mas aquisição de estoque”, rebate o executivo. Por tudo isso, os donos de postos cada vez mais procuram formas de driblar os problemas. A principal delas é buscar outros fornecedores de combustível. “Sei que não é certo, mas não estou comprando gasolina só da distribuidora com quem tenho contrato. A diferença de preços é de mais de 10%”, desabafa um dono de posto que prefere o anonimato. O efeito colateral é que se corre o risco de oferecer ao consumidor uma gasolina de qualidade duvidosa. As ações para quebra da exclusividade podem ser um paliativo, mas não vão solucionar o impasse definitivamente. “A quebra dos contratos pode gerar uma reação das distribuidoras e uma batalha judicial”, avalia o advogado tributário Luis Carlos Szymonowicz. Vem chumbo grosso pela frente.