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Acima, o ex-presidente 
observa a Igreja Nossa Senhora da Candelária, no Rio
 

Uma conclusão para as causas da morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek pode estar próxima. A Comissão Nacional da Verdade reabriu no final do ano passado as investigações que apuram as circunstâncias do desastre de carro que matou JK, em agosto de 1976, na Rodovia Presidente Dutra, quando, na fase mais reclusa e deprimida de sua vida, viajava para o Rio de Janeiro onde encontraria a amante, Maria Lúcia Pedroso. A primeira-dama, Sarah, acabara de pedir o divórcio. De acordo com o diário encontrado no local do acidente, Juscelino se sentia humilhado pelas represálias que sofria do governo militar, que o tinha como inimigo. Estava triste por não ter conseguido uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, a única eleição que perdeu na vida. O que ocorreu por influência do governo Geisel.

A morte foi oficializada como acidente, mas Sarah Kubitschek morreu em 1996 com a certeza de que o marido fora assassinado. Também permaneceram com essa convicção parceiros de trabalho e de exílio do médico urologista que não queria entrar para a política. Nos anos 2000 uma nova abertura das investigações preservou a hipótese de acidente.

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Acima, capa do livro de Ronaldo Costa Couto, que
há 12 anos acompanha de perto os mistérios em
torno da morte de JK.

O livro “O Essencial de Juscelino Kubitschek” (Planeta), do historiador Ronaldo Costa Couto, reúne essas informações e chega às livrarias com mais lenha para a velha fogueira. O pesquisador, autor de “Brasília Kubitschek de Oliveira” – base da minissérie “JK”, exibida pela Rede Globo em 2006 –, acompanha de perto as investigações há 12 anos e acredita que a última peça desse quebra-cabeça seja a nova exumação do corpo do motorista Geraldo Ribeiro. Pela tese do assassinato, Ribeiro, ao volante na ocasião, teria sido atingido por um tiro e jogado o Opala com capota de vime na pista oposta, causando o desastre visto por testemunhas ouvidas pelo escritor. Não houve preservação do local para a perícia. Um dos documentos oficiais revela que as fotos do que sobrou do carro e dos corpos não foram anexadas ao laudo “por ordens superiores”. “A morte de JK ainda busca um final. A menos que surja prova cabal de crime doloso,ela continuará sob sombra e suspeita.Mesmo que a Comissão da Verdade confirme a conclusão da Comissão da Câmara”, diz o autor.

Era o tempo da Operação Condor, esquema dedicado à erradicação dos inimigos das ditaduras do Cone Sul. Costa Couto prefere não opinar sobre o veredicto. Mas enche o leitor de indícios que encaminham para a conclusão do assassinato. Como a reprodução do trecho de carta – originalmente em papel timbradodo governo militar chileno de Augusto Pinochet – afirmando apoio a Ernesto Geisel “nas ações contra conhecidos políticos social-democratas e democratas cristãos”. No documento, de agosto de 1975, Kubitschek era citado nominalmente.

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Ao presidente Jimmy Carter, o general brasileiro teria dito, no mesmo período, que, antes da redemocratização, “ainda estava em vias de uma limpeza de terreno”. Muitos militares se espantaram com a decisão de Ernesto Geisel de decretar luto nacional no dia do enterro do presidente que governou o Brasil entre 1956 e 1961, erguendo uma nova capital, Brasília, em 42 meses. “O desenvolvimentismo dele acabou em bancarrota e o Brasil estava cambialmente insolvente quando Jânio tomou posse”, diagnosticou o economista Roberto de Oliveira Campos, um dos autores do Plano de Metas. Os estertores da democracia brasileira encerrada pelo golpe militar apresentam o fim da ascensão de JK, o órfão descalço de Diamantina (que, já à frente do País, tirava os sapatos sempre que podia).

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Da ditadura para frente, o livro mostra um personagem abatido, que pensava no suicídio como uma saída para a perseguição política. É, aliás, da fase do exílio (1964 a 1967), o levantamento inédito desse livro. Costa Couto descobriu de Maria Alice Berengas, secretária de JK durante sua estadia em Paris, que o ex-presidente não tinha privacidade, nem dentro do pequeno apartamento no Boulevard Lannes. “Quando queríamos dizer alguma coisa particular, abríamos a janela e o presidente punha um rádio do lado, tocando (…) Aquilo era uma humilhação tremenda para ele”, contou Maria Alice ao autor, secretário de planejamento do governo de Tancredo Neves, amigo e parceiro político de Juscelino. As falas do próprio biografado revelam o tamanho do projeto de vida que JK levou a cabo até perder os direitos políticos.Uma historinha que gostava de contar mostrava dois pedreiros, um muito mais produtivo. Quando perguntaram ao mais lento o que fazia, este respondia, “assentando tijolos”. O mais veloz dizia que estava construindo uma catedral. Para além dos motivos da morte de JK, até o fim era uma grande obra que ele via quando olhava para o futuro do Brasil.

leia um trecho do livro

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  FOTO: PRENSA TRES