A espera de 11 anos, um longo e inexplicável silêncio, valeu a pena. Autor até aqui de um único e celebrado romance – Relato de um certo oriente, de 1989 –, o escritor amazonense Milton Hatoum, 48 anos, quebra o jejum imposto a seus leitores com um livro ainda mais radical. Dois irmãos (Companhia das Letras, 266 págs., R$ 24) tem novamente como tema a saga de uma família de origem libanesa radicada na Amazônia, desde o desabrochar cheio de fé até a marcha inexorável para a queda. Outra vez, só que ainda com mais agudeza, Hatoum escreve para vasculhar o coração intempestivo do homem.

Irmãos gêmeos, Yaqub, o tímido e sensato, e Omar, o incestuoso e sedutor, desde o início disputam a simpatia do leitor. Ora se aprecia a delicadeza do primeiro – que logo se revela pura brutalidade –, ora se prefere o modo veemente com que o outro seduz e conduz ao mais torpe rastejar. A luta entre os irmãos é, na verdade, só uma rachadura superficial. O pai e a mãe, perdidos entre esses filhos indomáveis, tornam-se cada vez mais sozinhos. Tudo está partido.

Também uma fenda profunda parece separar do resto da família o narrador do livro, Nael, filho ilegítimo de uma aventura de um dos gêmeos com a resignada Domingas. É ainda aos pedaços, com sentimentos ora serenos, ora ásperos, que o leitor vai traçando seu próprio retrato dos dois irmãos. Num mundo em que todos os bons sentimentos, exacerbados ou encobertos, se nivelam na mesma agonia, o que permanece é só uma voragem, um debater-se. Em consequência, Dois irmãos é um livro de certa inquietação e algum mal-estar. Mas é um desses raros romances cuja leitura, pelo que contém de desassossego, transforma aquele que o lê.