Poucos povos prezam tanto a própria democracia quanto os americanos. O problema é que eles não se cansam de fazer alarde e se ufanar. Nas telas, o diretor alemão Roland Emmerich – de Independence day – é um dos que têm explorado o exagerado amor à pátria ianque. Emmerich não foi muito diferente em O patriota (The patriot, Estados Unidos, 2000), em cartaz nacional na sexta-feira 21. Tendo Mel Gibson, 44 anos, no papel-título, o filme é um épico belicista de quase três horas, que serviu para recuperar o carisma do astro, arranhado pela sua insípida interpretação de um detetive no candidato a cult O hotel de um milhão de dólares, do alemão Wim Wenders.

De volta ao seu hábitat, Gibson e seus faiscantes olhos azuis provam que ainda têm fôlego de sobra para fazer cenas de ação. Atributos que o elevaram ao cachê recorde de US$ 25 milhões – o orçamento total do filme foi de US$ 80 milhões. Um dinheiro proporcional ao tempo que o ator permanece na tela enfrentando os inimigos de ocasião, no caso o exército inglês e seus barulhentos canhões e mosquetões. O ano é o de 1776, data em que as 13 colônias em território americano se libertaram do jugo inglês. No meio da luta pela independência, o herói de guerra Benjamin Martin (Gibson) leva uma vida pacata. Não quer mais saber de batalhas até elas chegarem ao seu quintal e ele se ver obrigado a retomar as armas. Martin é um personagem fictício, inspirado em diversos ícones de época, entre eles Francis Marion, que embora tenha sido um grande combatente tem no currículo a acusação de violentador de escravas. O Martin fictício também carrega um passado atormentado, tentando esquecer as atrocidades cometidas com os inimigos.

Máquina de guerra – No início do filme, ele está transformado num zeloso viúvo, pai de sete filhos, mesmo número da prole de Gibson na vida real. Quando finalmente engaja-se na campanha contra os ingleses, mostra-se uma máquina de guerra bem azeitada. É a partir deste momento que a história ganha muita ação, com batalhas realistas, trepidantes e cenas chocantes como a da bala de canhão que decepa a cabeça de um soldado. Tomadas de impacto semelhante foram vistas em O resgate do soldado Ryan, que teve nos créditos o roteirista Robert Rodat e o produtor Mark Gordon, os mesmos de O patriota. A exemplo da fita estrelada por Tom Hanks, há momentos nos quais o espectador parece estar colocado no centro do fogo. Há exibição de corpos mutilados e muita carnificina. Apesar do realismo, boa parte dos integrantes dos exércitos americano e inglês foi criada por computador, assim como algumas cidades antigas e as caravelas francesas que chegam para ajudar os insurretos. Seja como for, o embate é convincente.

Claro que os ingleses são apresentados como verdadeiros demônios nas suas fardas vermelhas. Entre os personagens que realmente existiram, desponta o general Cornwallis, que se rendeu às tropas lideradas pelo general George Washington. Cornwallis, interpretado pelo inglês Tom Wilkinson, surge como um estrategista afinado, mas acompanhado de pendores militares ofuscados pela vaidade. O pior de todos os ingleses, porém, é o sanguinário coronel William Tavington (Jason Isaacs). Assassino cruel e frio, ele não respeita a ética da guerra. Tavington capricha tanto na sua vilania que os ingleses, com razão, se irritaram com o filme. O patriota é movido por um maniqueísmo ferrenho. Os americanos são todos do bem, íntegros e valentes. Num oposto, os ingleses são capazes de enforcar crianças e incendiar uma igreja cheia de fiéis. Para quem conhece a biografia de Mel Gibson o exagero até faz sentido. O ator nasceu em Nova York, mas criou-se na Austrália, onde falar mal dos ingleses é um antigo hábito local. Portanto, para quem não tiver ascendência inglesa, não se incomodar com tanta patriotada e adorar sangue explodindo na tela, O patriota é diversão certa.