Uma nova revolução agrícola está em marcha – e desta vez ela é ruidosa. Ao aliar as mais avançadas técnicas de manipulação genética aos métodos tradicionais de plantio, a biotecnologia consegue criar espécies de plantas resistentes a pesticidas, alimentos mais nutritivos e grãos mais produtivos. Seria a panacéia para resolver um dos conflitos prementes da humanidade: a fome. Dentro de trinta anos, estima-se que seremos 8 bilhões de pessoas no planeta, 2 bilhões a mais do que hoje. Como a agricultura não multiplica a produção anual de alimentos na mesma proporção, a alternativa óbvia, pelo menos para a comunidade científica, é adotar produtos geneticamente modificados, os chamados transgênicos. Ou ainda alimentos Frankenstein, como foram apelidados pelos ambientalistas.

Nos Estados Unidos, porta-estandarte desse movimento, só no ano passado um terço do milho e mais da metade da produção de soja e de algodão utilizaram sementes alteradas geneticamente. Os argumentos falam direto ao estômago. Na semana passada, um estudo divulgado pela comunidade científica de vários países revelou que “há cerca de 800 milhões de pessoas (18% da população dos países em desenvolvimento) que não têm acesso a comida suficiente para atender a suas necessidades”. O documento, endossado pelas academias de ciências do Brasil, China, Índia, México, EUA, Grã-Bretanha e pela Academia de Ciências do Terceiro Mundo, defende a adoção das novas técnicas de manipulação genética para desenvolver produtos cada vez mais resistentes às variações climáticas, aos ataques de pragas e até mesmo às longas horas de transporte em caminhões de carga.

A variedade de produtos transgênicos é ampla. Soja, milho, algodão, canola, mandioca, inhame, batata-doce, tabaco, arroz, tomate e trigo são algumas das culturas beneficiadas. No Brasil, assim como na maior parte dos países europeus, ainda há resistência à revolução ruidosa dos transgênicos. A liberação da produção e comercialização depende de análise técnica feita pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Em quatro anos, a CTNBio deu apenas dois pareceres favoráveis à comercialização para plantio de espécies vegetais geneticamente modificadas – a soja com tolerância ao herbicida Roundup, produzido pela americana Monsanto, e um tipo de milho resistente a agrotóxicos. A comissão tem na gaveta outros 600 processos aguardando aprovação, segundo a presidente da comissão, Leila Macedo Oda.

Reação em cadeia – Existem pelo menos dois entraves para a entrada franca dos transgênicos no País: eventuais danos ao meio ambiente e riscos à saúde humana. As toxinas e as substâncias que provocam alergias são as principais ameaças. “Ao alterar geneticamente uma planta, há sempre o risco dessa espécie provocar uma reação em cadeia, afetando todo o ecossistema, eliminando alguma espécie de planta ou animal”, explica o engenheiro agrônomo José Hermeto Hoffmann, secretário de Agricultura do governo do Rio Grande do Sul. “Os europeus e até os japoneses estão dispostos a pagar mais por alimentos sem interferência genética.”
Como as eventuais consequências maléficas só deverão se comprovar com o passar dos anos, a discussão não poderia ser mais acalorada. “Não existem estudos conclusivos que apontem para efeitos danosos dos transgênicos para o meio ambiente ou o consumidor”, diz o bioquímico Fernando Reinach, da Universidade de São Paulo. “É impensável impedir o avanço da ciência com base em suposições”, diz Reinach, um dos signatários do documento elaborado pelas academias internacionais.

Um ponto indiscutível nessa celeuma é a necessidade do consumidor saber o que leva à mesa. “Temos o direito constitucional à informação e à livre escolha”, defende Sezifredo Paz, conselheiro técnico do Instituto de Defesa do Consumidor, Idec. Ele tem razão. Depois de quatro dias de negociação, durante reunião realizada em Montreal, em janeiro, representantes de 130 países concordaram em garantir ao consumidor esse direito. Sob severa crítica dos EUA e das maiores empresas de biotecnologia do mundo, entre as quais Monsanto, Novartis, DuPont, AstraZeneca, Dow Chemical e Aventis, os negociadores internacionais finalmente chegaram a um consenso. A conclusão: os produtos devem ser rotulados informando que contêm organismos geneticamente modificados.

Na semana passada, com seis meses de atraso, enfim o governo brasileiro decidiu aplicar a mesma decisão. As regras para os avisos nos rótulos – tamanho, dizeres, etc. – começaram a ser definidas em uma reunião na quarta-feira 12, mas o resultado prático vai demorar. Depois da decisão final, o texto será transformado em Portaria e publicado no Diário Oficial, entrando em vigor 90 dias depois. Se tudo correr bem, antes do Natal, os brasileiros poderão saber se o que comem foi geneticamente modificado.

Colaborou Eduardo Hollanda