O psiquiatra paulistano Aderbal Vieira Júnior está empenhado em provar que os antidepressivos podem ajudar as vítimas de compulsão sexual, uma das mais preocupantes síndromes do mundo moderno. Até dezembro de 2001, Vieira Júnior estará coordenando uma pesquisa com pelo menos 40 vítimas do problema, que ele prefere chamar de sexo patológico, no Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes, o Proad, do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo. Metade dos pacientes será tratada com sessões terapêuticas e comprimidos de fluoxetina, o princípio ativo do Prozac. A outra parte, além de terapia, receberá pílulas de placebo, com substâncias inócuas como a farinha de trigo. Nesta entrevista a ISTOÉ, o psiquiatra detalha o comportamento dos afetados pela síndrome e revela detalhes do estudo.

ISTOÉ – Compulsão sexual é doença?
Aderbal Vieira Júnior – Por enquanto, é uma síndrome, um conjunto de sinais e sintomas possível de ser diagnosticado. Prefiro usar a expressão sexo patológico. No futuro, ela poderá ser definida como doença, a exemplo da depressão. A atividade sexual patológica fica caracterizada quando a pessoa perde a liberdade e a segurança porque não consegue controlar seus impulsos. As pesquisas são necessárias, pois os casos realmente impressionam. Atendo um médico que, aos 38 anos, já tinha se relacionado com mais de 600 homens. Chegou a ter dez parceiros numa só noite. Nos momentos descontraídos, conseguia ser irônico. Dizia que, até aquele momento, ‘havia transado com pouco mais de 600 homens e quatro mulheres’. As longas noitadas começaram a afetar o seu desempenho profissional e social. Outra paciente, depois de se separar do marido, chegou a ter sete namorados ao mesmo tempo. Nas sessões de terapia, ela dizia ‘os sete não dão um, mas não consigo parar’. Um arquiteto muito conhecido, casado, figura pública, vive colocando a vida e a carreira em risco, numa aeróbica homossexual alucinante pelas esquinas da cidade, com garotos de programa, nas madrugadas. Deveria evitar tanto risco, mas não consegue se controlar. Fora de casa, jamais procurou uma mulher. Costuma dizer: ‘Amo minha mulher e meus filhos. Com os outros, eu transo.’ Há casos de homens e mulheres que pegam o carro e saem pela rua à cata de vários parceiros. Todos sofrem muito. O risco de adquirir uma doença grave ou de ser agredido por um desconhecido é real. E eles sabem disso.

ISTOÉ – O que levou o sr. a fazer a pesquisa?
Vieira Júnior – Os primeiros estudos sobre o tema foram feitos há 20 anos, o que, em ciência, é pouco tempo. Por isso, há pouco material científico. Um pesquisador, em qualquer parte do mundo, teria dificuldade em achar mais de 40 artigos científicos sérios sobre compulsão sexual. E a maior parte desses estudos envolve pesquisas com pacientes submetidos a sessões de terapia, e não aos medicamentos. O maior estudo sobre o efeito de antidepressivos que encontrei foi realizado por um pesquisador americano em 1995, com dez pacientes, que tomaram remédios diferentes, em dosagens também distintas. Estas pesquisas mostram que o paciente costuma melhorar com medicamento ou terapia. Mas, cientificamente, o resultado é fraco, por causa da amostra reduzida. Por isso, decidi pesquisar num universo mais convincente. Teremos, no mínimo, os 40 pacientes cadastrados no momento. Mas, se conseguirmos reunir 100 ou 120 pessoas até o final de 2001, quando deverei concluir a pesquisa e encaminhar os resultados para uma revista científica, será ainda melhor.

 

ISTOÉ – Como é feito o estudo?
Vieira Júnior – Metade dos pacientes vai tomar doses de fluoxetina e a outra parte receberá placebos. Eles serão tratados individualmente, com terapia e as pílulas, a partir de cada diagnóstico. As primeiras 13 pessoas cadastradas já estão em tratamento. Como sou responsável pelo atendimento terapêutico, não saberei, até o final do estudo, quais pacientes tomam remédio ou placebo, para não ser influenciado durante as sessões. Informado, correria o risco de investir mais em um caso do que em outro e isso poderia distorcer os resultados. Funcionários do Proad, orientados por outros psiquiatras, passam diretamente o medicamento aos pacientes.

ISTOÉ – Boa parte dos deprimidos tratados com antidepressivos apresenta diminuição da libido, um efeito colateral previsto nas bulas dos remédios. O sr. não quer provar o que já está provado?
Vieira Júnior – Não é bem assim. São coisas diferentes. Nos casos clássicos de depressão, a diminuição da libido, além de ser um efeito não desejado do medicamento, muitas vezes escapa ao controle técnico e científico. A reação é detectada, mas está associada a várias outras manifestações. Em cada caso, estes efeitos colaterais – inclusive a diminuição da libido – se apresentam com intensidade e período de duração distintos. No nosso caso, o efeito do medicamento é desejado, e não colateral. A pesquisa mostrará se é possível comprovar esses efeitos. Numa segunda fase, esses resultados poderão nos ajudar a estabelecer critérios, como os de dosagem e conveniência do uso do medicamento.

ISTOÉ – Os remédios ajudam a diminuir a busca obsessiva pelo sexo?
Vieira Júnior – O que nos levou ao estudo foi a constatação de que antidepressivos são úteis no tratamento de pacientes que apresentam reações impulsivas semelhantes às das vítimas de sexo patológico. Nos viciados em drogas, por exemplo, os antidepressivos diminuem aquela fissura chamada pelos americanos de craving, isto é, a ânsia incontrolável pela substância. Nossos pacientes apresentam um quadro muito parecido em suas buscas desesperadas pela relação sexual. Vai ser difícil comprovar se a fluoxetina diminuiu a fissura ou a libido, mas isso, no fundo, é periférico. O fundamental será devolver a qualidade de vida ao paciente.