A confusão é grande na frente de uma casa noturna da Vila Olímpia, bairro da zona sul de São Paulo que virou reduto da cena eletrônica. Garotas com cabelos lisos de chapinha, uniformizadas com batas coloridas e crucifixos brilhantes pendurados no pescoço (moda lançada por Daniella Cicarelli), e meninos com bonés da marca alemã Von Dutch (vendidos por R$ 270 na Daslu) param o trânsito com seus carrões. Nada de novo se se tratasse de uma noite de sábado, animada por algum top DJ estrangeiro. Mas é tarde de domingo e os jovens em questão vieram especialmente ao clube Santa Aldeia para assistir ao show dos pagodeiros
Inimigos da HP. Junto com os grupos Jeito Moleque, Fuzuera e Batom na Cueca, o Inimigos da HP está fazendo a cabeça dos universitários que lotam casas noturnas do circuito Itaim–Vila Olímpia para requebrar ao som das bandas que, acredite, já são hit. Nada daquela moda do pagode romântico, o “sambanejo”, que tornou famosa a turma do Raça Negra, do Só Pra Contrariar e do Art Popular. Inimigos e companhia fazem parte da nova geração que produz o que está sendo chamado de “neopagode” ou “pagode universitário”.

Em sua maioria, os neopagodeiros são de classe média e se conheceram na faculdade. Encontravam-se para ouvir e tocar um som depois das aulas em faculdades como Mackenzie, Anhembi Morumbi e Fundação Getúlio Vargas (FGV). A coisa foi tomando força, se espalhou pelo circuito universitário e extrapolou para casas noturnas como o Santa Aldeia e o Gitana, na Vila Olímpia, e o Armazém da Vila, em Vila Madalena, em shows para até duas mil pessoas. Cinco dos oito Inimigos são formados em engenharia civil, o que explica o nome da banda, referência à marca de calculadora usada pela turma. Os ensaios aconteciam na casa da mãe do percussionista Guilherme dos Santos Cruz Rocha, o Gui. “Nós tocávamos tão mal que ela dizia que éramos inimigos do samba. Daí veio o nome”, conta Sebastian Matias Arietti, o Sebá, vocalista do grupo, por quem as fãs suspiram.

A crítica materna tem lá seu fundo de razão. Mesmo assim a gravadora EMI fechou contrato com o grupo e lançou o CD e o DVD do show E quem não gosta do Inimigos…, gravado no Tom Brasil paulistano. No início, a banda nem via a cor do cachê. “A gente saía devendo dos bares, de tanto que bebia”, lembra Sebá. Agora, entre holdings e colaboradores, a equipe do Inimigos soma 25 pessoas e os cachês vão de R$ 10 mil a R$ 15 mil. Os produtores não regulam grana, já que a banda arrasta uma legião de fãs gastadores. São jovens bonitos e endinheirados que pagam R$ 40 para assistir aos shows todo fim de semana e até reservam camarotes ao custo de R$ 1.600. “Não perco nenhuma apresentação. Sigo
a banda em todos os lugares”, conta a advogada Gislaine de Oliveira, 24 anos. A fidelidade emplacou Caça e caçador, famosa na voz de Fábio Jr., no 23º lugar entre as 50 músicas mais tocadas nas rádios. Outra regravação é Uma noite e meia, sucesso de Marina Lima.

Neopagodeiro que se preze tem que regravar um hit pop-meloso em ritmo de… pagode. O Jeito Moleque, por exemplo, ataca com a oitentista Só pro meu prazer, do cantor Leoni, com a cadência alterada, é óbvio. Mas foi uma composição própria, Eu nunca amei assim, que colocou os rapazes na sexta posição no ranking
das mais pedidas nas FMs paulistanas. “O pessoal conhece nosso som das baladas e pede nas rádios”, conta o percussionista (e advogado) Fernando Bifani, o Alemão. Disputando o mesmo nicho, o Fuzuera virou residente da matinê de domingo do pub Old Vic, no Itaim. “Nossos shows acontecem em casas noturnas, mas a consumação custa o mesmo preço que um ingresso de espetáculo normal”, comemora o percussionista da banda, Mauricio Larte Toporcov, o Mauricinho, que é advogado e atualmente cursa rádio e tevê na Faculdade Anhembi Morumbi. Aos olhos dos pagodeiros mais experientes, essa turma tem futuro. Não sem ressalvas. “Eles são universitários, mas isso não quer dizer nada. Os melhores sambistas, como Cartola e Jamelão, não tinham nenhuma formação acadêmica”, afirma o sambista Mário Sérgio, do Fundo de Quintal. Também compartilha dessa opinião o saudoso Noel Rosa, que no samba Feitio de oração, parceria com Vadico, decreta que “Batuque é um privilégio/ninguém aprende samba no colégio.”