Solidariedade e Paz. O tema da 41ª Campanha da Fraternidade extrapolou os limites da Igreja Católica e invadiu a agenda de outras religiões cristãs. Tradicionalmente promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), católica, a campanha deste ano é liderada pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), entidade que congrega bispos católicos, metodistas, anglicanos, presbiterianos, luteranos e reformados. Os trabalhos já começaram e seguem até a Páscoa. Não é a primeira vez que as entidades unem esforços. Em 2000, foi realizada uma campanha ecumênica e o sucesso da ação inspirou a CNBB a repetir a experiência. Presidente do Conic, o bispo Adriel Maia, 57 anos, é o encarregado da nova campanha, que pretende unir as igrejas cristãs para promover a cultura da paz. O mineiro Adriel está à frente de um rebanho de 20 mil fiéis na terceira região da Igreja Metodista do Brasil, que compreende a Grande São Paulo, o litoral e parte do interior paulista. O bispo defende a união das igrejas contra todo tipo de violência, da doméstica à policial, da étnica à religiosa.

ISTOÉ – Por que fazer uma Campanha da Fraternidade ecumênica?
Adriel Maia –
Tivemos uma experiência ecumênica na virada do milênio,
com o tema dignidade humana. Foi um testemunho tão importante da unidade
cristã que resolvemos fazer novamente um acordo entre CNBB e Conic. A beleza
do ecumenismo está em reconhecer a pluralidade de igrejas em um mundo dividido por tantas ideologias.

ISTOÉ – Todas as igrejas cristãs fazem parte do Conic?
Adriel –
Não. Mas todas são convidadas. O Conic foi construído com as igrejas de atuação histórica no País. Hoje, há uma multiplicação de igrejas e seitas. Não posso precisar o número, já que qualquer pessoa pode criar uma, mas estima-se que sejam fundadas 80 igrejas por mês só em São Paulo. Nossa preocupação é resgatar o significado de igreja e promover a união delas, não a pulverização.

ISTOÉ – O que será feito para atingir a população?
Adriel –
A Campanha da Fraternidade não pode ficar apenas no plano teórico.
Entre as ações práticas, destaco a importância de se criar um fórum pela paz, preventivo e orientador na questão da violência. Hoje, a violência familiar está entre as mais graves. O racismo e o preconceito em relação à mulher podem ser modificados com trabalho educativo nas comunidades. Também vamos participar do programa de desarmamento. A ONG Viva Rio fez uma pesquisa e concluiu que as pessoas que têm armas de fogo preferem entregá-las nas igrejas. Têm dificuldade de levar suas armas às delegacias. Lamentavelmente, o policial não tem uma boa imagem no Brasil.

ISTOÉ – As igrejas receberão armas?
Adriel –
Isso já acontece em São Paulo e no Rio de Janeiro. As igrejas podem ser credenciadas pelo Ministério da Justiça. Vamos também incentivar uma grande mobilização em favor do referendo contra a venda de armas, previsto para 2 de outubro. Se o Brasil conseguir proibir sua comercialização, será um exemplo para as nações ricas. Vamos incentivar também as crianças a entregar suas armas de plástico. É fundamental entender que a campanha do desarmamento não implica apenas a entrega de armas. Há muita gente que não tem arma de fogo, mas está armada, com preconceito e intolerância.

ISTOÉ – Existe a violência nas relações pessoais.
Adriel –
A questão da violência se dá em dois níveis, o pessoal e o estrutural. Gosto de citar Nelson Mandela, líder metodista na África do Sul. “Ninguém nasce odiando outra pessoa, pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender. E se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” O eixo é ensinar a ter sentimento humano numa sociedade na qual, gradativamente, se perde o sentido da vida.

ISTOÉ – Que fatores têm provocado essa perda do sentido da vida?
Adriel –
Eu destaco um: na sociedade de mercado, as pessoas são descartáveis. Estamos perdendo a capacidade de viver em comunidade. Isso exige diálogo, respeito e superação das barreiras de cor, raça e religião. Outro dia fui de avião para Belo Horizonte e o rapaz ao meu lado, dono de uma empresa de informática, disse que gostava demais de seu trabalho. Contei que minha atuação como bispo era voltada para os relacionamentos humanos. Ele respondeu: “O senhor deve estar ficando doido. A coisa mais difícil é trabalhar com gente. Eu prefiro conversar com meu computador.”

ISTOÉ – O sr. acha que as igrejas erraram por não saber promover a paz?
Adriel –
O cristianismo demonstra uma faceta sangrenta em diversos momentos da história, como nas cruzadas. Durante o processo de divisões, as igrejas deixaram de olhar para o Evangelho e passaram a olhar para elas mesmas, para o poder e para o ouro. Elas precisam construir os valores de justiça, paz e solidariedade deixados por Cristo e erram quando não dão prioridade ao ser humano.