Desde 1998, cerca de 170 pessoas nos Estados Unidos – a maioria pacientes com câncer – encontraram auxílio legalizado para terminar com suas vidas. Foram beneficiadas pela “Lei da Morte com Dignidade”, aprovada pelos legisladores do Estado de Oregon. A medida permite a médicos receitar overdoses de remédios a quem está em estado terminal, com moléstias incuráveis. Aqueles que planejam seguir este roteiro polêmico, porém, têm até outubro para finalizá-lo. A Suprema Corte americana decidiu na terça-feira 22 acatar o apelo feito pelo governo George Bush para rever a permissão. O caso, porém, terá de enfrentar o calendário da Justiça, tão complicado quanto a própria questão.

Além do debate sobre a legalidade e ética da prática do suicídio auxiliado, outros fatores podem dificultar a martelada final dos juízes. Em junho, o ultra-conservador William Rehnquist (juiz chefe do Supremo) terá se aposentado. A Casa Branca indicará um substituto que terá de passar pelo crivo do Congresso. Já se dá como certo que Bush listará para o cargo um grupo de juristas conservadores. A luta pela aprovação de alguém com tais credenciais será árdua, com os opositores do governo fazendo de tudo para impedir a nomeação. O processo de escolha do novo chefe do tribunal pode demorar vários meses. Por isso, estima-se que o veredicto sobre a lei em vigor em Oregon só saia em outubro. “Até lá, é pouco provável que a Suprema Corte manifeste uma decisão”, acredita o jurista Phillip Waxman.

A briga pelo domínio da Suprema Corte reflete em grande parte o que acontece no debate sobre a eutanásia. Grupos religiosos, que foram os principais aliados na campanha de reeleição de Bush, são contra a legalização do procedimento. “Somos contra o aborto, a pena de morte e a eutanásia. Ninguém tem o direito de acabar com uma vida”, afirma Margareth Duccan, da organização Right to Live (direito de viver, em inglês). Foi a pedido de entidades como a de Margareth que o ex-secretário de Justiça americano, John Ashcroft, no dia de sua renúncia, em novembro passado, entrou com apelo à Suprema Corte para revisar a lei de Oregon.

Este ato derradeiro faz sentido em termos políticos. Pesquisa recente apontou que 73% dos americanos são contrários à legalização do suicídio auxiliado. “A decisão de acabar com a vida é um dos principais tabus da maioria das religiões. Mas quando se vê uma pessoa querida sofrendo e pedindo para morrer, a oposição cessa”, diz Sheryl Raich, da Death with Dignity (morte com dignidade), associação que batalhou pela aprovação da lei em Oregon. Paralelamente, os EUA acompanham o drama de Terri Schiavo, em estado vegetativo desde 1990 por causa de uma parada cardíaca. Em 2003, o governo da Flórida interferiu numa decisão judicial que autorizava a eutanásia, pedida pelo marido de Terri. E ali nasceu uma briga jurídica prevista para se estender até a sexta-feira 25, para quando se esperava uma decisão final da Justiça americana sobre o destino de Terri. De todo modo, a maré está virando a favor dos que apóiam o suicídio com ajuda médica. Filmes – como Mar adentro e Menina de ouro – e livros patrocinando a causa da eutanásia invadem o mercado e buscam mudanças na opinião da maioria. É uma discussão que parece não ter fim. Mesmo a sentença da Suprema Corte, caso derrote os legisladores do Oregon, não deve encerrar o debate.