O corpo do homem, vestindo uma bermuda, camisa de malha e calçando tênis, foi encontrado, na manhã do sábado 7, caído na varanda do apartamento do Hotel Montana, em Port-au-Prince, capital do Haiti. A primeira surpresa veio quando foi revelada sua identidade: era o general-de-divisão brasileiro Urano Teixeira da Matta Bacellar, 58 anos, comandante das tropas da ONU integrantes da Missão das Nações Unidas de Estabilização do Haiti (Minustah). O choque aumentou quando uma perícia inicial mostrou que o general Bacellar, um dos mais conceituados do Exército Brasileiro, tinha se suicidado com um tiro na boca, disparado com sua própria pistola. Considerado por colegas de farda como uma pessoa extremamente ponderada, calma, que mesclava o conhecimento técnico dos temas militares com uma preocupação cultural, Urano era o oposto do suicida. Além disso, quando ele foi escolhido para suceder o general-de-divisão Augusto Heleno (seu colega de turma) no posto de comandante das tropas da ONU no Haiti, tinha passado por uma sabatina na sede da ONU e sido aprovado com louvor. E generais, em tese, não se suicidam.

Mas Bacellar suicidou-se com a arma que, pára-quedista, com especialidade de guerra na selva, sabia usar muito bem. Sua morte levantou um véu sobre a intensidade da crise no Haiti. As tropas da ONU, incluindo os 1.200 soldados brasileiros, envolvidas no caos do país caribenho, passam boa parte do tempo enfrentando, a tiros, gangues, grupos paramilitares e bandidos comuns. Urano Bacellar, que estava no Haiti desde agosto, tinha criticado o adiamento das eleições no país, marcadas finalmente para a terça-feira 7 de fevereiro. E fazia eco às críticas sobre a demora no envio do US$ 1 bilhão prometido pelos países ricos para a reconstrução do Haiti.

Mas seus subordinados, que jantaram com ele na sexta-feira 6, garantem que ele estava muito bem e nada em seu comportamento indicava que daria um tiro na boca poucas horas depois. Sua morte mostrou que, além da confusão crônica do Haiti, a Força de Paz também tem seus problemas. Um movimento da Jordânia, que contribui hoje com 1.600 homens, buscando colocar um de seus generais no comando, foi detectado e rapidamente esvaziado pelo Itamaraty. O chanceler Celso Amorim, antes mesmo do Ministério da Defesa, anunciou, na segunda-feira 9, o nome do general-de-divisão José Elito Siqueira, como nome a ser analisado pela ONU para concluir o mandato de Bacellar, que termina em agosto. O vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, e o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, chegaram a ficar irritados com a atitude, mas diplomatas confirmaram que tinha sido um movimento estratégico, que melou qualquer tentativa dos jordanianos. As tropas jordanianas, aliás, têm participado dos piores tiroteios entre os “capacetes azuis” e as gangues haitianas. Oficiais brasileiros que já serviram no Haiti não têm dúvidas em dizer que os jordanianos estão completamente despreparados para as funções exigidas pela missão no Haiti.

O general Bacellar foi enterrado na quarta-feira 11, no Rio de Janeiro, depois de ter recebido honras militares na Base Aérea de Brasília, em cerimônia que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas o Brasil continua envolvido no labirinto haitiano. O mandato da Minustah será renovado em fevereiro pelo Conselho de Segurança da ONU por pelo menos mais seis meses. Dessa maneira, o novo comandante brasileiro, seja ele o general Elito ou o general-de-divisão Jeannot Jansen da Silva Filho, a segunda opção que o Brasil apresentará à ONU, vai chegar ao Haiti sabendo que a situação do país não melhora. As eleições podem, em tese, ser um bom começo. O problema é que os atuais governantes, que derrubaram o presidente Jean Baptiste Aristide, podem ser derrotados nas urnas, o que poderá gerar nova crise institucional. Para piorar as coisas, o dinheiro internacional que permitiria a efetiva reconstrução do país ainda não chegou. O Brasil corre o risco de continuar a ser apenas um “policial” internacional, sem melhorar a vida dos haitianos.