Nada de olheiras por causa daquele trabalho de conclusão de curso ou por uma tese de mestrado ou doutorado. Qual a razão de passar noites insones por um título acadêmico se se pode conseguir isso apenas botando a mão no bolso? Esse deve ser o pensamento de futuros bacharéis, mestres e doutores que, adeptos da lei do menor esforço, contratam os serviços de sites e pesquisadores para fazer tudo por eles. Nos quadros de avisos de algumas universidades, não é difícil achar cartões que anunciam a feitura de monografias, teses, dissertações e outros trabalhos. Na internet, sites se oferecem para atenuar “as dificuldades da vida universitária”. Tudo encadernado, dentro dos padrões do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Trabalho de profissional. É o que promete, por exemplo, o www.minadeideias.hpg.ig.com.br que, segundo
o próprio site, funciona de Curitiba para o mundo.

No meio acadêmico, esse comércio começa a incomodar. Há um mês, o professor Carlos Pio, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), recebeu de seus alunos trabalhos com trechos copiados da internet. “Reprovei 11 de um curso de especialização. Plágio pode levar à expulsão da universidade”, explica. Pio decidiu alertar seus colegas e mandou e-mails para universidades de todo o País. Mas não se trata apenas de lançar mão de sanções internas. Afinal, num ritmo crescente esse comércio intelectual seria a desmoralização do meio acadêmico. O que talvez estudantes incautos não saibam é que estão praticando o famoso 171, crime de estelionato, além de, eventualmente, outros dois: falsidade ideológica (artigo 299) e violação de direito autoral (artigo 184). As penas para esses crimes variam de três meses a cinco anos de prisão. “Os que produzem e vendem o material também podem ser enquadrados, como co-autores”, explica o delegado Mauro Marcelo de Lima e Silva, ex-chefe da divisão de crimes pela internet da Polícia Civil de São Paulo.

Surpreende a tranquilidade com que essas pessoas atuam. “A internet ainda é uma estrutura anárquica que possibilita o anonimato. Podem-se cometer atos ilícitos e lucrar sem ser identificado”, analisa o delegado Mauro Marcelo. No Mina de Idéias, uma tese de doutorado (entre 160 e 220 páginas) custa R$ 2.500 e uma dissertação de mestrado (entre 80 e 120 páginas) sai por R$ 1.500.

O www.trabalhosprontos.com, localizado em Manaus, se autodenomina “líder do segmento no Brasil”. Apesar de alardear “soluções acadêmicas”, informa que “atualmente” não faz resenhas ou dissertações. Oferece apenas material de pesquisa e trabalhos simples para complementação de nota. Os preços variam de R$ 2 a R$ 3 por página. Há, no entanto, um banco de trabalhos pronta-entrega feitos por seus pesquisadores. O site garante que o mesmo material não será encontrado na internet nem comercializado mais de uma vez na mesma região. A grande promessa desses sites é o sigilo. O contato inicial é feito via e-mail e, só depois, quando as negociações avançam, é que se disponibiliza um telefone para contato. Esse tipo de atitude, segundo o presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abrac), Luís Flávio Borges D’Urso, mostra que há intenção de burlar a lei. “Quem se utiliza desses meios para obter títulos não os merece”, acredita o criminalista.

Se na internet esses serviços aparecem ostensivamente, nas faculdades não é muito diferente. A julgar pela espontaneidade e clareza dos anúncios, é de se estranhar a falta de uma atitude efetiva para coibir esse comércio em seus corredores. Na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, um anúncio assinado apenas por Miriam oferece serviços de elaboração e digitação de trabalhos de graduação e pós-graduação, monografias, entre outros. A reportagem de ISTOÉ entrou três vezes em contato com Miriam. Na primeira e na segunda vez, identificando-se apenas como alguém interessado em encomendar um trabalho. Na terceira, ao deixar claro que era uma entrevista, ela disse não estar disposta a conversar.

Há dificuldade de se identificar se o trabalho foi comprado ou não. Cláudio Couto, professor de ciência política na PUC, conta que soube do sistema ao reprovar metade de uma turma de secretariado por descobrir que os alunos tinham copiado trechos inteiros de outras obras. “Havia descuidos primários do tipo ‘esse assunto se completa no capítulo tal’. Mas uma das alunas, revoltada, me disse que eu a tinha reprovado por copiar, mas tinha aprovado trabalhos comprados”, conta ele. Desde então, assim como o professor Pio da Unb, Couto só usa provas para verificar o aproveitamento de seus alunos.

DISQUE TRABALHO

Trechos do diálogo entre a repórter (que no início não se identificou) e a prestadora de serviços

Primeira ligação:
ISTOÉ – Gostaria de encomendar um trabalho …
Miriam – Estou meio lotada… Para quando você precisaria?
ISTOE – …Final de maio… Um trabalho de 60 páginas, quanto seria?
Miriam – Daria para encaixar… R$ 19 por página… Com o meu material (de pesquisa), R$ 21… Todo o meu serviço, eu formalizo. A gente teria que agendar dia e horário… Você pode dividir, predatar… É melhor você dar o material, porque estou sem tempo.
ISTOÉ – Você trabalha sozinha?
Miriam – Não, tenho uma equipe…
ISTOÉ – O pessoal da PUC já pede há algum tempo?
Miriam – Já, há um mês entreguei a uma cliente que faz doutorado, direito do trabalho.

Segunda ligação:
ISTOÉ – …Não tem problema de algum professor identificar?
Miriam – Tem que ter cuidados… Não pode passar direto… Você tem que adaptar ao seu vocabulário… Tem que moldar para ter a sua cara… Tem que saber do que se trata…
ISTOÉ – Minha amiga ficou interessada… Ela é da USP… Você já fez para alguém da USP?
Miriam – Não faço divulgação lá, só na PUC, Faap, Mackenzie, Unip, Anhembi-Morumbi, Ibero e outras… Santana… Na USP, desde o ano passado não vou por lá… Um ou outro acabo pegando…

Terceira ligação:
ISTOÉ – Aqui é da ISTOÉ… Estamos fazendo uma matéria de venda de trabalhos na internet… Vi o seu anúncio… Você faz esse trabalho há muito tempo?
Miriam – Eu não dou entrevistas.
ISTOÉ –
…Nunca deu problema?
Miriam – Eu não dou entrevistas.
ISTOÉ – Tá, mas você sabe que tem um risco legal…?
Miriam – …Muitas pessoas elaboram… Não sou só eu… Pode ser que elas dêem informações… Não estou aberta para conversar…