O pintor francês Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) costumava dizer que a beleza está onde menos se espera. “Arranje-me uma macieira num quintal de arrabalde. É suficiente. Não preciso de nenhuma catarata do Niágara”, afirmou, certa vez. Foi desta maneira, revelando a magia de cenas banais, passadas no campo ou à margem do rio Sena, que Renoir revolucionou a arte do século XIX ao encabeçar o movimento impressionista ao lado dos amigos Manet, Monet, Pissarro e Sisley, entre outros. Banhada por uma luminosidade rara, sua arte está acima dos movimentos e palavras de ordem, como prova a exposição Renoir – o pintor da vida, em cartaz no Museu de Arte de São Paulo (Masp) a partir da terça-feira 23. Reunindo importantes telas, esculturas e gravuras do mestre, a mostra soma 138 peças se computados os livros, fotos e cartas incluídas na parte documental. O conjunto impressiona. Entre as 50 telas, vieram de Paris oito óleos do Musée D’Orsay; quatro do Musée National de L’Orangerie; e três do Musée Picasso. Dos Estados Unidos, o Metropolitan Museum of Art, de Nova York, emprestou duas obras – uma delas, Na campina – colhendo flores (1890) –; e a National Gallery of Art, de Washington, cedeu outras duas, incluindo a belíssima Remadores em Chatou (1879), que em nada fica a dever à obra-prima O almoço dos remadores, executada na mesma época.

Eugênia Gorini Esmeraldo, que divide a curadoria com o conservador-chefe do Masp, Luiz Hossaka, comemora o feito concebido num tempo recorde de seis meses a um custo enxuto de R$ 2 milhões. “Ainda não havíamos tido a oportunidade de ser retribuídos à altura pelas obras que já emprestamos para museus da França, para a National Gallery e o Metropolitan”, afirma Eugênia. Esta é a primeira grande exposição de Renoir no País. Um sonho antigo da direção do Masp, que tem no seu acervo uma dúzia de obras do artista, entre
elas as telas Rosa e azul (1881) e Menina
com espigas
(1888), que obviamente
estão na exposição.

O percurso cronológico da mostra, que ocupa a Galeria Clemente Faria, no subsolo do prédio, se inicia com o módulo Amigos de Renoir. Traz telas de Manet, Cézanne, Degas e Utrillo, entre outros, todas pertencentes ao Masp. Na sequência, 50 gravuras vindas do Gabinete de Gravuras da Bibliothèque Nationale de France mostram o domínio do artista nesta linguagem, usada especialmente para produzir retratos de amigos. À exceção do compositor alemão Richard Wagner, que não só não era seu amigo como detestou o resultado final. Disse que ficou parecido com um pastor protestante. Mais tarde, quando assistiu à ópera A valquíria em Bayreuth, Renoir deu o troco. “Ninguém tem o direito de trancafiar as pessoas no escuro durante três horas. E, com toda a franqueza, a música de Wagner é muito cacete.”

Alegria – A crítica dá a medida da sensibilidade do pintor, mais afeito às delícias da vida que ao obscuro mundo das brumas metafísicas. Esta alegria de viver acompanhou toda a obra luminosa de Renoir, mesmo quando ele se dedicava aos retratos de encomenda, como prova a série de trabalhos do segmento Família Le Coeur, com obras do início de carreira. Mas a explosão de exuberância e voluptuosidade acontece mesmo no período impressionista, momento em que inicia a pesquisa dos efeitos de luz e do jogo das cores primárias e complementares, pintando ao ar livre. Para melhor perceber as nuanças cromáticas, Renoir evitava ler e assim gastar a vista. São desta fase o já citado Remadores em Chatou. O quadro revela um Renoir no auge da paleta vibrante e luminosa, que já havia dado obras-primas como Baile no Moulin de la Galette (1876), maravilha da arte moderna que não sai nunca do Musée D’Orsay.

Nesta época, as obras de Renoir e seu grupo eram recusadas no tradicional encontro parisiense das artes e recebidas a pedradas pelos críticos acadêmicos. Pierre Wolf, do Le Figaro, por exemplo, assim escreveu sobre um nu do pintor: “Tentem explicar ao senhor Renoir que o torso de uma mulher não é um monte de carnes em decomposição, com manchas verde-violáceas, que denotam um estado de total putrefação.” Justo ele que dizia pintar pessoas como se elas fossem belas frutas. Quem hoje vê suas banhistas de pele de pêssego, um dos seus temas prediletos, que vai acompanhá-lo até o final da vida, sabe o grau de miopia que acometia a crítica da época. A mostra do Masp traz várias delas: Banhista sentada enxugando a perna (1914), do Musée National de L’Orangerie; Banhista sentada com paisagem (1895), que foi da coleção particular de Picasso e hoje está no seu museu; e A banhista e o cão Grifon (1870), pertencente ao Masp. “Eu nem sabia andar direito e já adorava as mulheres”, disse ele na biografia Pierre-Auguste Renoir, meu pai, escrita pelo filho e cineasta Jean Renoir. “Elas colocam em tudo um justo valor e sabem muitíssimo bem que a lavagem da roupa tem tanta importância quanto a constituição do império alemão.”

Passado o susto do impressionismo, depois de uma viagem reveladora à Itália, em 1881, Renoir resolveu dar uma guinada em sua obra, passando a reverenciar a arte clássica. É a chamada fase Ingres – referência ao pintor francês –, da qual a mostra exibe a tela A dança em Bougival (1883), de um colecionador particular nova-iorquino. Trata-se de uma variação desconhecida do belíssimo Dança na cidade, do mesmo ano, mostrada pela primeira vez em Tóquio, em 2001. “Por sorte eu estava acompanhando uma obra emprestada do Masp para a exposição e vi a tela”, lembra a curadora Eugênia. Mais sorte ainda têm os brasileiros, que poderão ver de perto esta raridade.